Divulgação/Tico Fernandes Você já se viu sendo preconceituoso? Sou um moleque de origem humilde. Quando comecei a fazer shows em casas conceituadas, eu realmente tive um momento em que falei: “Pô, esses playboys aí”. Tive esse preconceito também. Hoje, por saber que preconceito não acaba com preconceito e, sim, com respeito, tenho respeito por todos. Quais são os cinco maiores artistas negros para você? • Emicida • Mano Brown • Edi Rock • Ice Blue • KL Jay MC Guimê, 21 anos, é um dos principais expoentes do chamado funk ostentação
Respeito é bom
Parecendo a África
Arquivo Pessoal Sou a filha mais velha do José, negro, que trabalha como porteiro, e da Ivanilde, branca, auxiliar de cozinha. Meu irmão, Hygor, foi o primeiro da história da minha família a se formar na universidade. No final deste ano, será a minha vez. Entrei na UnB por meio do sistema de cotas. A partir daquele momento eu nunca mais fui a mesma. No primeiro semestre comecei a estagiar no Centro de Convivência Negra. Ali passei a assumir a minha negritude, reforçada pelas aulas de Pensamento Negro Contemporâneo, com o professor Edson Cardoso. Até então, eu não reconhecia a minha beleza: alisava o cabelo, tinha bonecas brancas, minhas referências eram mulheres brancas. Eu nunca tinha refletido sobre como o racismo tocou minha identidade e autoestima ao tentar esconder as minhas características. Meus pais, para me “proteger”de situações de racismo, incentivavam esse visual próximo ao das mulheres brancas, como se isso fosse evitar o meu sofrimento. A consciência racial mudou minha forma de ver o mundo. Hoje entendo que há questões históricas violentas que excluem a população negra. Compreendo que situações pelas quais passei estão relacionadas com a história do Brasil e da África, com a população negra no Brasil. Percebi que milhares de pessoas são vistas como inferiores por sua cor de pele. Compreendi que o povo negro sempre lutou por libertação e reconhecimento e que tem de estar representado em todos os espaços da sociedade. “O lugar do negro é em todo lugar, mas a sociedade ainda não entende assim. O sistema de cotas está aí para reparar esse erro” Na UnB, há liberdade para se expressar. Mesmo assim, não é fácil ser negra nesse contexto. Já ouvi professores se queixarem que “a UnB está parecendo a África”, ou que “está mal frequentada”, ou que “a qualidade do ensino vai cair por causa dos cotistas”. É difícil para um jovem negro querer ingressar em uma universidade pública quando tudo e todos ao seu redor dão a entender que aquele não é o seu lugar. Assim se dá o racismo no Brasil: de forma sorrateira, à surdina, calando os negros. É um racismo cruel, que mata, prende por engano, exclui. O lugar do negro é em todo lugar, mas a sociedade ainda não entende assim. O sistema de cotas está aí para reparar esse erro. Quero poder dizer aos meus filhos que eles são livres para estar onde quiserem, que poderão ser ricos como o fulano da novela, que poderão ser médicos como o tio sicrano, que poderão ser presidentes como o Obama. É nosso papel definir o que será daqui para a frente. Eu quero uma sociedade mais justa. A UnB foi a primeira universidade federal a adotar o sistema de cotas, há dez anos. Uma pesquisa realizada pela universidade e publicada em 2013 mostra que o desempenho dos alunos que ingressaram por meio do sistema de cotas se equipara ao rendimento verificado em alunos não cotistas. O sistema será revisto nos próximos meses. Kendy Neris, 28 anos, aluna cotista do último ano de ciências sociais na Universidade de Brasília
Racismo tem jeito?
Casal inter-racial
Arquivo Pessoal “Ainda espanta as pessoas do nosso círculo cruzarem com o Julio nos mesmos locais, consumindo as mesmas coisas, falando de igual para igual” Um casal inter-racial ainda passa por constrangimentos em 2014? Sim. Inacreditavelmente. E o melhor exemplo é estar aqui falando sobre isso, não é? Eu e o Julio estamos juntos há 20 anos. No início do namoro, entrar em um bar ou em um restaurante de mãos dadas era um acontecimento. Mas nós moramos quase cinco anos em Paris e de lá trazemos uma outra visão, muito mais misturada. E a certeza de que nós ainda temos, aqui, um longo caminho até a igualdade. Há, claro, uma questão de classe que, no Brasil, está muito ligada à cor da pele. Preto é pobre. Ainda espanta as pessoas do nosso círculo cruzarem com o Julio nos mesmos locais, consumindo as mesmas coisas, falando de igual para igual. Mas o principal aprendizado dessa história de amor “inter-racial” sobra para mim, o lado branco. Porque antes o racismo era invisível e eu, como a grande maioria da população brasileira, negava sua existência. A gente aprende que a pousada na praia tem quarto vago se sou eu quem pergunta; se ele vai na frente, está lotada. Que o restaurante da moda está cheio de mesas “reservadas” quando o Julio pergunta, mas que o gerente “quebra o galho” quando me vê chegar. Que o corretor de imóveis não acredita que queiramos ver o apartamento caro em um bairro bom de São Paulo, mas muda de ideia quando finalmente conhece a esposa loira do interessado. Que a primeira pergunta que me fazem sobre o Julio, sempre, é se é músico ou jogador. Fora a piadinha recorrente: se você é casada com um negro, é porque “gosta de negão”. Nunca ouvi alguém fazer um comentário parecido se o marido é loiro. Também aprendemos que, em São Paulo, se eu saio sozinha à noite, o Julio fica preocupado com assaltos. Mas, se é ele que sai sozinho dirigindo nosso carro, eu fico preocupada com a polícia – preto dirigindo carro bom, se não é famoso, deve ser ladrão. Izabela Moi, 43 anos, jornalista, é casada com Julio Pinheiro, 42, digital expert de uma multinacional Vai lá o depoimento de Izabela também está na Tpm deste mês
Minha história com Lupita
Jana Cruder/Corbis Outline Na escala social de um set de filmagem, o assistente de produção está num dos níveis mais baixos de poder e glamour, mas, aos meus olhos jovens e inexperientes (tinha então 15 anos), aquela garota de 21 anos, a terceira assistente de produção no Quênia durante a filmagem de O jardineiro fiel, tinha algo de magnânimo. Não só porque era linda, cheia de energia, carismática e envolvente, mas principalmente porque tinha um walkie-talkie para se comunicar com a equipe. Eu, assistente de qualquer coisa que precisasse de uma mão, como carregar tralhas, levantar caixas ou arrastar tendas, via o rádio como uma potência e uma responsabilidade incríveis. Ele deixava clara a distinção entre ela e eu, entre a sua relevância e a minha insignificância. Como normalmente acontece com assistentes de produção, quando a câmera começa a rodar, a quantidade de coisas para fazer diminui e há muito tempo para o ócio e o tédio. Assim eu e a Lupita nos tornamos amigos e gastamos boa parte desses períodos conversando. Nesses papos, soube que ela era nascida no México, mas queniana da vida inteira, que falava cinco idiomas (inglês, francês, espanhol, swahili e luo) e que estava ali conferindo se trabalhar com cinema era mesmo sua praia. Na época, ela nem imaginava passar para o outro lado da câmera e muito menos que, em 2014, ganharia um Oscar. Arquivo Pessoal Quico e o pai em 2004, no Quênia Depois trocamos alguns e-mails e notícias sobre os caminhos que cada um seguia. Foi assim que descobri que ela estudou atuação em Yale e que havia estrelado e dirigido uma série para a MTV do Quênia. Mas a grande surpresa veio quando, numa ida ao cinema para ver um filme do qual não sabia muito, me deparei com ela arrebentando em 12 anos de escravidão. Espero voltar a vê-la em breve e que ela continue transbordando a simpatia e a alegria de viver que tanto impressionaram a mim e à equipe naquela aldeiazinha perdida no Quênia em 2004. Quico Meirelles, 25 anos, cineasta, é filho do diretor Fernando Meirelles e trabalhou com a atriz Lupita Nyong’o nas filmagens de O jardineiro fiel, em 2004, no Quênia
Você já desejou ser negro em alguma situação?
Divulgação/Bob Wolfenson
Será previsível se eu disser “sim”. Responder “não” será covardia. Dizer que não faço parte desta cultura racista é hipocrisia. E ainda falamos sobre isso. Deviam encher menos o saco dos outros e olhar pro que interessa. Adoro as diferenças, mas a desigualdade dá bode.
Liberta, DJ
Renato Parada
O Brasil é racista? Sim. O Brasil é um país racista. É só você ver a condição em que os pretos estão. Os pretos não são vistos. Não são vistos nas capas de revista, não são vistos no Congresso. Poucos são vistos nas ruas, porque moram nas margens da cidade. Os pretos não têm dinheiro. Poucos têm. Os pretos não têm educação. Em todos os problemas do Brasil, há pretos envolvidos. Eles sempre aparecem mendigando, de cabeça baixa, vistos de uma maneira ruim. Os termos pejorativos, apelidos e xingamentos continuam. Macaco, preto sujo, negão e neguinho são xingamentos pejorativos que continuam. Os olhares de negação quanto à sua presença continuam na rua, no metrô, no ônibus, nos restaurantes, nos bancos, quando você está dirigindo um carro bonito. Quando o negro é informado e educado e chega aos lugares, as pessoas não podem reprimir ou repreender, mas elas olham com ódio porque o cara subiu de nível. Não de nível social, mas no nível da autoestima. Toda essa negação do negro ainda é muito forte. Está no que vemos no futebol, nos skinheads agindo na madrugada, nos programas de TV que fazem chacota a toda hora. Não dá para esperar muito de um país que está nas piores posições nos rankings internacionais de educação.
O racismo tem jeito? Qual? Vou usar uma frase da [apresentadora americana] Oprah Winfrey: os racistas devem morrer. O racismo é uma mentalidade e eu estou cansado dela. Cansa você falar que precisa de uma reeducação no país, cansa falar que as cotas ajudam. É uma mentalidade doente. Essa frase é dela e eu assino embaixo. Eles têm que morrer!
Como seria sua lista de dez melhores músicas feitas por artistas negros?
“Negro drama” / Racionais Mc’s
“Canto das três raças” / Clara Nunes (Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte)
“Zumbi” / Jorge Ben Jor
“Fear of a Black Planet” / Public Enemy
“Off the Wall” / Michael Jackson
“White Man’s World” / 2Pac
“Odiados amigos” / X da Questão
“Equinox” / John Coltrane
“Haiti” / Gilberto Gil e Caetano Veloso
“Get Up Stand Up” / Bob Marley
“1999” / Common, Talib Kweli e Sadat X
Pretinho, pretinho
Arquivo Pessoal Astrid Fontenelle, 53, jornalista, é apresentadora do programa Saia justa, no canal GNT. É mãe de Gabriel, um menino negro, de 5 anos Que fique claro, odeio racistas. É crime. Na minha turma e em todas as turmas que tive todos éramos assim. Na teoria era fácil bradar. Até que em 2012, ao deixar meu filho, então com 3 anos, na porta da escola, ouço um pejorativíssimo “pretinho, pretinho”. Era um loirinho um ano mais velho do que ele. Não bradei. Gelei. Senti na pele a dor que o preconceito causa. Também não chorei, como todos que me conhecem acreditavam que teria feito. Fui firme. Porque, ao mesmo tempo que sangrou, veio a dignidade e o orgulho de ser negra. Todos somos... porra, sou filha de mãe descendente de portugueses e pai com ascendência duvidosa – pelo cabelo durinho, negro passou por ali. E explicitamente sou mãe de um menino negro com dreads no cabelo. Não bradei porque tive mais pena do menino, que com tão poucos anos de idade já discriminava um igual por ser de cor diferente. Dias antes o Gabriel tinha me perguntado qual era sua cor, e eu disse “negro”. Ele insistiu. E eu disse “preto”. E ele insistiu mais uma vez. E eu disse “marrom clarinho”. Conversamos sobre cor e raça, na medida da compreensão dele, e ficou tudo bem. E aí dez dias depois acontece aquilo? Tudo foi muito rápido e eu só poderia exigir da escola (que inicialmente, e diante do choque, sugeriu que leriam livrinhos nas salas de aula) que eu conhecesse os pais do menino. Foram horas de conversa por telefone. Foi um exercício de atenção para com o outro. Não eram preconceituosos, mas não sabiam de onde teria saído isso. Da cabeça do garoto sozinho? Que tenha ficado ali, e em mim, a importância de prepararmos nossos filhos pra um mundo de iguais. Onde a única coisa que eu insisto em distinguir é o caráter. Que o menino loirinho e o meu pretinho aprendam juntos a construir uma sociedade mais justa para todos! Vai lá Astrid Fontenelle também colaborou com a Tpm deste mês.
“Você trabalha aqui?”
Arquivo Pessoal Claudia Lima, 44 anos, jornalista. Trabalhou como diretora de redação na Trip Editora e hoje é editora do canal Comidas e Bebidas do portal UOL Sempre fui a típica menina de classe média. Meu pai, contador, teve condições de nos dar uma boa casa, tinha bons carros, e eu e meus irmãos sempre tivemos boa educação. Até os 14 anos, estudamos em um colégio de freiras onde éramos os únicos negros. Lembro de uma tia que sempre me perguntava: “Você não tem amigas negras?”. No colégio, não. E quase sempre foi assim – na faculdade (bem menos), na maioria das redações em que trabalhei, nos prédios em que morei. E continua assim até hoje. Mas quando me mudei para meu atual endereço, um prédio de classe média na zona oeste de São Paulo, senti na pele como o racismo é latente aqui no Brasil. Para alugar o apartamento, tive de provar por A mais B que eu realmente “merecia” morar ali. Nada parecia suficiente. Nem ter um casal de fiadores impediu o mês inteiro (um mês!) de dor de cabeça, infindáveis idas a cartórios e até ter de pedir a uma advogada conhecida para me ajudar a provar que uma homônima – e não eu – é que tinha problemas com a Justiça, em outra cidade. Chegou uma hora em que não aguentei: questionei se o problema todo era o fato de eu ser negra. Negaram, claro. Várias pessoas me perguntavam se aquele era o único apê do mundo. Não seria melhor desistir dele? Mas àquela altura, ah, eu ia morar ali. Só de raiva! Adoro minha casa, os funcionários do prédio, a síndica. Mas durante muito tempo eu fui a única negra ali. Também perdi a conta de quantas vezes ouvi de moradores (e faxineiras): “Você trabalha aqui?”. Diante da negativa, é batata: me olham com os olhos arregalados, me medem da cabeça aos pés para depois emendar: “Como assim? Mas eu nunca te vi!”. A coisa fica ainda pior quando meu namorado (branco e estrangeiro) vem me visitar: apenas ele recebe bom-dia (eu pareço invisível). Até a hora em que, de propósito, solto alguma frase em inglês. Aí, vocês já sabem: olhares de espanto, seguidos de um “ah, tudo bem?”. Humpf... Até quando as pessoas vão achar que negro não pode morar bem, ter carro bom e viver decentemente, como qualquer branco? Para todos os racistas, meu recado: aceita que é melhor. Isso não vai parar! “A coisa fica ainda pior quando meu namorado (branco e estrangeiro) vem me visitar: apenas ele recebe bom-dia (eu pareço invisível)” Vai lá Claudia Lima também colaborou com a Tpm deste mês.
Trocaria todos os meus títulos pela igualdade
Bruno Senna/Divulgação
Tinga, 36 anos, jogador de futebol do Cruzeiro, sofreu ataques racistas durante uma partida em fevereiro deste ano
O que aconteceu comigo foi noticiado no Brasil inteiro [durante uma partida do Cruzeiro contra o time peruano Real Garcilaso, pela Copa Libertadores, a torcida imitava sons de macaco a cada vez que o jogador pegava na bola]. Recebi ofensas racistas e não vou fazer sensacionalismo em cima disso, mas é triste ver que isso tem acontecido em todas as áreas, infelizmente. Estamos em 2014 e é uma coisa mais velada, mas que existe.
E olha que, pro cara que conquistou o sucesso, a vida é mais fácil. Acredito que existe um preconceito mais forte que o racismo que é o preconceito social. Negro ou branco, se você é bem-sucedido, acaba sendo aceito. Isso mostra um preconceito social muito forte.
Acredito que o racismo nos estádios de futebol também é um reflexo da educação. Algumas pessoas, quando vão para o estádio, acham que tudo o que elas falam lá fica por lá. Essas pessoas às vezes estão com seus filhos, e ainda assim estão xingando a gente. Estão ensinando isso aos filhos. Quando você é bem-educado, não existe essa divisão entre o que acontece dentro e fora do estádio. Por falta de educação, as pessoas acham que não acontece nada, mesmo no esporte. Já vi pessoas de classe alta agirem assim.
Como disse logo depois daquela partida, trocaria todos os meus títulos pela igualdade, em todas as áreas.
Você ingere 5,2 litros de veneno por ano
Ilana Bessler
Pesquisa da Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária), com amostras de todo o país, apontou os cinco produtos com maior quantidade de agrotóxicos: pimentão, morango, pepino, cenoura e alface
Esse número é equivalente ao volume de agrotóxicos por habitante jogado nas lavouras brasileiras a cada ano. Dados como esse nos tornam o país campeão em contaminação da comida. Dá pra engolir?
Em uma conversa com o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, em 2011, o documentarista Silvio Tendler ouviu que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Diante da informação, o diretor se debruçou sobre o tema e lançou O veneno está na mesa, documentário de 50 minutos, disponível na internet, que conta como os brasileiros estão se intoxicando e morrendo por causa de um inimigo praticamente invisível.
Um brasileiro chega a ingerir, em média, 5,2 litros de agrotóxicos por ano. No filme, o próprio
Galeano alerta: “Esses venenos estão sendo permitidos em países de governo progressista em nome da produtividade. Mas o que acontece com a terra, com a gente?”.
Três anos depois, Tendler está lançando O veneno está na mesa 2, em que mostra mais de perto o cotidiano de agricultores que lutam para cultivar alimentos saudáveis, que não agridam meio ambiente e seres humanos, como tem acontecido nas lavouras país afora. “Não tem sentido você construir uma economia baseada na destruição da natureza. Isso não é economia, é catástrofe. Ao criar um modelo econômico perverso, não é o país que a gente está construindo, é a barbárie”, diz o diretor, que acredita que a agroecologia é a saída.
Lançado em parceria com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o documentário será distribuído gratuitamente em um circuito alternativo que envolve escolas, comunidades e assentamentos de trabalhadores rurais. O atual relatório da Anvisa traz o resultado de 3.293 amostras de 13 alimentos, incluindo arroz, feijão, tomate e os cinco vegetais que estampam esta página. Segundo a agência, a pesquisa anual vem permitindo que medidas corretivas sejam tomadas pelos órgãos locais: em 2012, 36% das amostras puderam ser rastreadas até o produtor e 50% até o distribuidor do alimento.
Vai lá O site da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida é www.contraosagrotoxicos.org. Mais detalhes sobre a pesquisa da Anvisa: http://goo.gl/fMrWkd
Qual o seu veneno?
Alexandre Orion
O prêmio, de 2012, é uma obra de Alexandre Orion que usou como pigmento a fuligem expelida por escapamentos de veículos automotores
Pode abrir o armário e escolher: será o ar que você respira? O gás que usa para preparar o jantar? O pão na chapa feito com farinha branca, o açúcar refinado que adoça o café? O sexo, a carne? O remédio que toma para dormir ou o baseado que fuma para relaxar? A fofoca entre amigos? Um comentário odioso no Facebook? O sentimento de culpa?
Estamos nos envenenando, muitas vezes sem perceber, tantas são as distrações e as substâncias que tornam nossa vida mais palatável. Mas também fazemos parte de uma geração que questiona a origem de nossos alimentos, a cadeia de produção de bens de consumo, os medicamentos receitados, o uso recreativo e medicinal da maconha, os prazeres proibidos. E que busca alternativas viáveis para que nos tornemos mais conscientes na hora de escolher nosso estilo de vida.
É do veneno que esta edição da Trip bebe – sem se intoxicar. Conversamos com personalidades de diferentes áreas para identificar problemas e soluções. Há exemplos bons e tétricos. Em alguns casos, problemas cuja origem (e consequências) ignoramos nos castigam mais do que podemos imaginar; outros que pareciam grandes já arrefecem.
Nas próximas páginas, o debate vem dividido em quatro blocos de reflexão: veneno no ar, sobre a questão ambiental; na comida, sobre o que cerca a alimentação hoje; no corpo, sobre o uso de drogas; na mente, sobre os sentimentos que podem envenenar. Trazemos ponto e contraponto, em depoimentos exclusivos e inspiradores para novas atitudes – e novos antídotos.
É reversível
Araquém Alcântara
Os hospitais de Cubatão eram fábricas fúnebres em 1984. Bebês anencéfalos em número bem
maior que o aceitável dividiam espaço com pacientes que, em 50% dos casos, morriam por doenças respiratórias. Fora dali, favelas apinhadas com metade da população da cidade se espalhavam pelas encostas da Serra do Mar, próximas a mangues ou ao redor de indústrias. Na Vila Socó, à beira de uma unidade da Petrobras, um incêndio matou mais de 500 pessoas e contribuiu um pouco mais para o ar fétido, denso e escuro da cidade. O “maior polo industrial da América Latina” se tornara o “Vale da Morte” – e um apelido era causa do outro.
“Foi um conjunto de fatores: miséria, falta de saneamento básico e as emissões de poluentes”, diz hoje Marcos Cipriano, engenheiro ambiental e gerente da Agência Ambiental de Cubatão da Cetesb. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo chegou à região em 1982, numa ação do então governador Franco Montoro. Em meio à abertura política no país e a denúncias de ambientalistas do mundo todo, a cidade com a sexta maior arrecadação fiscal do Brasil não poderia mais esconder a sujeira.
Na época, as indústrias locais despejavam no ambiente aproximadamente 30 mil toneladas de poluentes, somados a dejetos venenosos, como amônia, lançados nos rios e no solo. “Nessa época foram identificadas 320 fontes poluidoras, mas hoje todas estão regularizadas”, afirma Marcos.
Basicamente, as chaminés das fábricas receberam filtros que reduziram sensivelmente a quantidade de gases tóxicos emitidos. Medições de 1990 já indicavam maior qualidade do ar na área urbana, com índices de poeira respirada próximos a 50 mg/m³ por dia, como recomenda a Organização Mundial da Saúde. Dois anos depois, na conferência Eco-92, Cubatão ganharia reconhecimento da ONU como exemplo mundial de recuperação ambiental.
Além do controle das fontes poluentes de ar, água e solo, um programa de reflorestamento contribuiu para o reequilíbrio ecológico da região, que voltou a ver até espécies animais desaparecidas.
Marcos Cipriano coordena uma equipe de sete técnicos que atua nas fábricas de Cubatão e Bertioga. Cabe a eles fiscalizar e autuar – multar em até
R$ 200 mil por dia – as indústrias que descumpram a lei. “Houve uma revisão no decreto em 2013 e ele está mais restritivo”, diz Marcos. A medida é importante: apesar de todos esses avanços, a poluição não foi totalmente eliminada.
Fukushima Mon Terror
A cena é parecida com algo que você já viu algumas vezes: uma rua deserta, casas abertas, um carro parado no meio da rua, com a porta aberta e a chave no contato. Uma cidade fantasma. A diferença é que você não está em casa, sentado no sofá vendo um filme apocalíptico. Você está nessa cidade, usando uma roupa de proteção nada confortável, óculos especiais que começam a embaçar de suor, e com a respiração pesada por causa da máscara. Sempre de olho no contador Geiger, para ver o nível de radiação a que está exposto. Essa descrição é da cidade de Futaba, a 3 quilômetros da usina de energia nuclear Fukushima Daiichi, em Fukushima, Japão. A cidade está dentro da zona de 30 quilômetros de evacuação desde 2011, quando o tsunami de 11 de março danificou a usina e seus reatores nucleares. A cidade é famosa por ter uma placa na entrada que diz: “A um futuro próspero, com energia nuclear”. Diante da cidade vazia, essa frase atinge novos significados sinistros e apocalípticos. Estive no Japão durante dois meses deste ano como artista para participar de uma residência no centro cultural Tokyo Wonder Site. No meio de março, e alguns dias após o aniversário de três anos da tragédia, tive a oportunidade de viajar com mais três artistas para a região de Fukushima, onde produzimos intervenções, fotografias e performances. A produção foi tão intensa que acabamos formando um coletivo que batizamos de Fukushima Mon Amour, em homenagem ao filme Hiroshima Mon Amour, do francês Alain Resnais, que morreu poucos dias antes da nossa viagem. Vamos participar de algumas exposições em Tóquio neste ano, com vídeos e fotos. It’s the end of the world A desculpa para visitar o lugar era boa: Yoi Kawakubo, japônes que nasceu em Toledo, na Espanha, e cresceu no Japão, tinha um projeto peculiar: ele enterrou negativos de polaroid perto da planta Daiichi, da onde a radiação vem vazando, e a cada dois meses ele volta lá para desenterrar os negativos e ver o resultado. Nossa missão era resgatar o negativo perto de um templo que foi completamente destruído pelo tsunami, a 100 metros da praia. Eu me dei conta do lugar aonde estava indo quando fui comprar as roupas de proteção. Compro qual? A mais barata? E os óculos? Com ou sem furinho? A radiação vai passar mesmo, com o que tenho que me preocupar? Me deu um frio na barriga, liguei para o Yoi e ele me explicou: o problema nessa área é o pó. Não podemos entrar de volta no carro com o pó do lugar, então temos que comprar diversos sprays de ar, para tirar o excesso de sujeira das botas, luvas, nos limpar com lenços umedecidos (desses de bebê) e deixar todas as vestimentas para fora do carro. Complicado. Uma vez que entramos na área, passando pelo check point de segurança, eu tinha a missão de ser copiloto: levei um aplicativo Google Maps e fiquei responsável pela trilha sonora, usando o iPod da Tita Salina, uma das artistas. Coloquei no shuffle, pois o cenário da viagem era bem mais interessante do que a telinha do aparelho. De repente, como uma irônica coincidência, R.E.M. começa a tocar “It’s the end of the world as we know it”. Alguns momentos depois, tive que intervir: a música “Song 2” do Blur não caiu tão bem, apesar de todos no carro estarem balançando a cabeça e cantando ‘u-hu’, vestidos de roupas de proteção, máscaras e óculos, passando por casas destruídas e vazias. Depois de parar em Futaba, fomos a caminho da praia onde Yoi havia enterrado o negativo. Após filmar o evento dele abrindo o negativo da polaroid e descobrindo que ele estava completamente branco (o negativo nunca havia sido exposto, ou seja, deveria estar todo preto), fomos andar na praia, com cuidado para não molhar os pés. Encontramos destroços do que antes era uma associação de pescadores. Passamos a tarde no local. Observando o mar, mudando coisas de lugar, escrevendo frases nas paredes. Filmando, tirando fotos. "É muita estupidez produzir algo que vai sobreviver séculos a mais que nós mesmos e intoxicar o ambiente que temos" Pura arrogância Depois de algum tempo, eu saí sozinho para caminhar na praia. Era como qualquer outra praia: o horizonte aberto, o som do mar. O céu estava aberto, fazia um pouco de frio, a areia era um pouco grossa. Úmida. Por um espaço muito curto de tempo esqueci onde estava, típica consequência de ficar olhando para o mar e as ondas. Lembrei da minha infância, passando os verões em Toque Toque, no litoral norte paulista, cheio de areia no cabelo e dormindo no sol. Olho para o lado e vejo a planta Daichii, mais acima na praia. O desconforto da roupa e da máscara me lembram que não poderia ficar lá por muito tempo. Esse horizonte, a areia, o mar, está tudo envenenado pela radiação que nós, humanos, criamos. Nesse lugar ninguém pode viver. As pessoas que uma vez moraram aqui NUNCA vão poder voltar às suas casas. Elas e ninguém mais, por séculos e séculos. É muita estupidez produzir algo que vai sobreviver séculos a mais que nós mesmos e intoxicar tudo o que temos. É pura arrogância achar que precisamos de energia para chegarmos mais rápido do ponto A ao ponto B sem prever essas consequência aterrorizantes. O que aconteceu (e está acontecendo) em Fukushima deve ser mais do que um aprendizado para a humanidade. É uma prova de que energia nuclear não é uma alternativa para o futuro. E pode nos roubar a possibilidade de tê-lo. “A um futuro limpo, sem energia nuclear.” Pedro Inoue, 37, é artista e designer gráfico. Já expôs na Coréia, Inglaterra e França e terá sua primeira exposição solo em Tóquio em junho. É atualmente o diretor criativo da revista canadense Adbusters Vai lá: SafeCast Site organizado por hackers que divulga os níveis de radiação em todo o Japão, auxiliando as comunidades locais. More Trees Life 311 Projeto que promove a construção de casas de madeira para moradores evacuados de Tohoku, a área mais afetada pelo tsunami. School Music Revival Organização liderada pelo músico Ryuichi Sakamoto que restaura instrumentos de escolas de música danificados pelo terremoto e pelo tsunami para depois organizar concertos com seus alunos.O artista paulistano Pedro Inoue esteve há algumas semanas em Fukushima, a usina nuclear cujo vazamento, causado pelo tsunami que arrasou parte do Japão em 2011, provocou estragos ambientais que vão durar para sempre. Aqui, um relato e imagens que ele produziu durante o insólito passeio
Respirar o ar das grandes cidades está deixando as pessoas mais doentes?
Segundo o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, a poluição atmosférica está causando mais estragos na saúde do mundo. sete milhões de pessoas morreram prematuramente em 2012 por doenças causadas pela poluição do ar. reduzir essa poluição pode salvar milhões de vidas. A seguir, algumas opiniões sobre o assunto. No link abaixo, mais sobre o estudo da OMS. Vai lá http://goo.gl/MbdtZR
Daniel Kfouri
Questão de lógica
“Tem um monte de estudo que mostra que sim. Mas me parece mais interessante considerar que o resultado do veneno que está no ar nasce de uma lógica que se reflete nos ouvidos, nos olhos, na pele, no espaço que nos circunda. É científico que o ar poluído tem aumentado o índice de doenças físicas ano após ano, mas a lógica que gera o ar poluído – e considera normal, por exemplo, passar horas diariamente preso dentro de um automóvel – certamente gera mais doenças psicológicas do que podemos imaginar e comprovar cientificamente.”
Alexandre Orion, 35 anos, artista multimídia, é autor da intervenção Ossário, em que usou um pano úmido para desenhar sobre as paredes de um túnel de São Paulo, cobertas de fuligem
Andrade
Feito Cigarro
“A poluição do ar hoje representa um problema de saúde pública. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, no ano de 2012, 7 milhões de pessoas morreram prematuramente no mundo por essa causa. Dessas, 4 milhões em consequência da poluição intradomiciliar (queima de combustível de origem orgânica para aquecimento ou preparo de alimentos), enquanto 3 milhões morreram devido à exposição à poluição externa. A maioria ocorreu na Ásia, Oriente Médio, África e Américas Latina e Central. Ou seja, poluição é coisa de regiões carentes.
As mortes se devem às seguintes doenças: infecções respiratórias, infartos cerebral e do miocárdio, câncer dos pulmões e abortamentos. Os segmentos da população mais vulneráveis são crianças, idosos e indivíduos portadores de doenças crônicas como hipertensão arterial, aterosclerose, diabétes, bronquite crônica e asma.
As estimativas gerais são de que 16% dos tumores pulmonares, 20% dos infartos pulmonares e 14% das infecções respiratórias do mundo sejam causadas pela poluição do ar.
As forças responsáveis por essa situação são:
a) aumento do consumo de energia pelos países em desenvolvimento com baixa tecnologia;
b) aumento do tempo de permanência no tráfego (onde há maior poluição) devido à imobilidade no trânsito;
c) opções de obtenção de energia obsoletas e muito poluentes.
A poluição do ar reproduz com menor intensidade todos os efeitos do cigarro: causa danos ao DNA (mutações e câncer), altera os mecanismos de defesa dos pulmões contra agentes infecciosos, prejudica a fisiologia dos vasos sanguíneos e altera o controle dos batimentos cardíacos. O cigarro faz isso com muito mais intensidade. Mas, por outro lado, o número de pessoas expostas à poluição é muito maior do que o de fumantes.”
Paulo Saldiva, 59 anos, médico especialista em saúde ambiental e membro do Comitê de Qualidade do Ar da Organização da Saúde (OMS)
Edu Delfim/Editora Trip
Poluições da alma
“Com certeza. O ar das grandes cidades contém uma poluição constante que se realiza em gases e sentimentos. Crescem a violência e o medo, que são poluições da alma. Embora estejamos cada vez mais urbanos, fadados a viver em cidades sempre maiores e mais entomizadas (como os grandes aglomerados de insetos), ainda trazemos os costumes primatas, de viver em pequenos grupos. Isso cria uma permanente tensão, que precisa ser solucionada para que possamos nos harmonizar com o destino.”
Leão Serva, 54 anos, jornalista e escritor, coautor do guia Como viver em São Paulo sem carro
Ressurgido das águas
str new/reuters Surfista desde os 9 anos, Mark Occhilupo é uma espécie de fênix das pranchas. No auge da carreira, se envolveu com drogas, encarou a depressão, passou meses jogado no sofá, engordou e, depois de tudo isso, em uma reviravolta triunfal, tornou-se campeão mundial de surf em 1999 justamente na etapa do Brasil. Hoje, aos 47, deixou a junk-food e as substâncias químicas para trás e se assume viciado em apenas uma coisa: televisão, que vê na companhia dos dois filhos. “Gosto especialmente dos telejornais e do Ellen Degeneres Show.” O australiano, que no início dos anos 80 encarou o mar havaiano de 10 a 15 pés e depois de alguns caldos chegou à final do Pipe Masters, nunca mais deixou de ir ao arquipélago, que visita regularmente para surfar. É de lá, mais especificamente de Pipeline, que ele conversou com a Trip sobre a vida marcada por extremos. “Você precisa gostar muito da sua própria companhia para aguentar essa vida.” No início dos anos 1990 você teve depressão, problemas com drogas, ganhou muito peso e parou de surfar. Como foi a volta por cima que o tornou campeão em 1999, aos 33 anos? Passei mais de um ano sem levantar do sofá, só comendo batata frita e outras porcarias. Cheguei a 111 quilos. Um dia, meu patrocinador entrou em casa, me viu no sofá e disse: “Sério, Occy, não posso mais te pagar para ficar aí”. Então tive de levantar outra vez. E como foi a retomada? Eu morria de vergonha do meu corpo. Estava tão gordo que só surfava escondido. Depois passei a correr, retomei a ioga, passei a comer peixe e salada. Antes acordava, comia cereal achocolatado, almoçava frango frito e batata frita. E qualquer coisa congelada no jantar. O que você faz atualmente? Eu ainda trabalho para a Billabong. Comento transmissões on-line, participo de surf camps e cuido de alguns eventos infantis da marca na Austrália. Não pensou em ser treinador? Nunca fiz isso na vida, mas adoraria. Mas teria que treinar a mim mesmo antes de dizer a outra pessoa o que ela deve fazer. Adoro dar dicas a jovens profissionais. Tudo grátis. Há algum alimento que você considera veneno hoje? Fui vegetariano por dois anos, mas voltei a comer carne porque sentia muita fraqueza. Hoje considero junk-food uma espécie de veneno, mas ainda como uma vez ou outra. E quanto às drogas? Eu nunca gostei disso, mas parece que o problema é como uma doença mesmo. Tem gente que experiementa quando é jovem e não se vicia. Acho também que existem muitos tipos diferentes de drogas. Não estou aqui falando de maconha. As pessoas não pensam nas pílulas para dormir e no Valium e elas são um problema sério. Você começou com elas? Sim, eu viajava muito. Todos os dias estava em lugares diferentes e acabei ficando dependente das pílulas para dormir, do valium e de coisas das coisas eu não gosto nem de falar. Tive que deixar isso para trás, mas foi um período muito difícil. Chega um dia em que você tem que fazer uma escolha entre o mundo real e um outro mundo para onde essas substâncias te levam. E cocaína? Não gosto de falar nisso. Tive problemas com a cocaína, sim, mas ainda acho que o perigo estava no calmante e nos analgésicos. Hoje, quando tenho problemas para dormir, uso medicamento natural. Se estou com dor nas costas, tento fazer alongamento e repouso. Você dividia o problema do vício com alguém? Não. Quando você usa algo desse tipo você tenta esconder das pessoas porque já´sabe o que elas vão dizer e sabe também que não consegue fazer o que precisa ser feito para parar. Minha primeira mulher me deu muita força e foi ela que me fez procurar um terapeuta. Frequento até hoje por causa da depressão e acho que foi o melhor caminho porque aquela pessoa te escuta e não vai sair por aí falando de você. Pete Frieden/A-Frame Você sofre com isso atualmente? Eu tento manter a depressão longe, mas não é uma escolha. Minha psiquiatra tem que ficar de olho e checar se está tudo bem. Quando larguei o circuito depois de ganhar o título mundial eu não estava drogado, eu estava deprimido. Você se habitua a competir e a vencer, e quando isso some é bem deprimente. Há muita fofoca no mundo do surf? Acho que como em qualquer outro esporte. Mas eu faço de tudo para ficar longe disso. Quando saí do circuito tenho certeza que houve muita fofoca a meu respeito, mas eu não quero nem saber. Durante as viagens você se sentia sozinho? Bastante. Quando você viaja muito seu melhor amigo é você mesmo. Já fiquei muito sozinho em quartos de hoteis e aviões. Você precisa gostar muito da sua própria companhia para aguantar essa vida. Quem são seus melhores amigos hoje? Meu filho. Ele é puro, inocente. No mundo do surf tenho alguns como Joel, Mick, mas atualmente todos eles estão muito ocupados. Joel tem três filhos, mas sempre tentamos manter contato. Tenho também um amigo muito antigo, Richard Cram. Crescemos juntos e ele é um parceiro. Ele mora em Sidney, eu vivo na Gold Coast, mas nos falamos sempre ao telefone e eu posso desabafar com ele. Tenho também alguns amigos de festa, que encontro por aí. Você foi um cara namorador? Amar outra pessoa quando se tem esse estilo de vida também é um problema. Fui casado duas vezes e posso te afirmar que manter um casamento viajando tanto beira o impossível. Você pode conseguir muitas garotas, mas chega uma hora em que você quer uma garota com a qual você se sinta confortável, que você possa trocar carinho, conversar, beijar. Isso sempre foi um grande problema pra mim. Aliás, ainda é. Sente medo de morrer? Sinto e penso nisso todos os dias antes de dormir. As pessoas sempre dizem que a melhor maneira de morrer é fazendo algo que você ama, mas eu discordo. Não gostaria de morrer surfando. Acredita em sorte? Sou talvez uma das pessoas mais supersticiosas que você conheça. Quando eu competia, achava que tudo que acontecia era um sinal para dizer se eu ia ou não ganhar. Sou obcecado pelo número 6. Em dia de competição, se o carro que ia me buscar não tinha 6 na placa, eu achava que ia perder. Nasci no dia 16 do mês 6 de 1966. Até hoje eu reparo se existe esse número nas casas ou em quartos de hotel. E carrega algum patuá? Eu já usei. Mas hoje sinto que espiritualmente fico mais forte se não houver colares, aneis e até tatuagem entre meu corpo e o mar. gosto de estar o mais natural possível para me misturar com o oceano e a mãe natureza. Você é religioso? Sou católico. Sei que não deveria ser tão supersticioso sendo católico, mas não consegui me livrar disso. Rezo antes de dormir e ao acordar. "Quando larguei o circuito, depois de ganhar o título mundial, eu não estava drogado, estava deprimido" Já pensou em desistir alguma vez? Das garotas? Não, do surf, por causa das garotas! (gargalhadas) Nunca. O surf ultrapassa tudo isso. Mesmo quando eu fico triste por causa dos relacionamentos, posso olhar o mar como fiz hoje aqui em Pipeline e depois de pegar uns tubos, volto para a areia e fico mais feliz. Qual o seu momento mais inesquecível aqui no Noth Shore? Foi no início dos anos 80, quando fui convidado para o Pipe Masters. O mar estava grande, talvez com uns 10 ou 15 pés e eu estava com muito medo, mas depois de uns caldos acabei pegando boas ondas e cheguei até a final. Foi como um rito de passagem, porque eu sabia que depois daquele dia eu nunca mais deixaria de vir ao Havaí para surfar. E o pior momento que você já viveu aqui? Lembro de uma vez em que tive que surfar contra Sunny Garcia no WCT. Ele brigava por seu primeiro título mundial. Quando eu cheguei ao país, todos os havaianos me diziam que eu tinha que deixa-lo ganhar. Foram dias de muita pressão e ameaças. O localismo era pesado. Que tipo de pressão? Eu recebia mensagens no meu telefone do tipo: se você estiver pensando em bater o Sunny é melhor arrumar as malas e voltar logo para casa porque vamos acabar com você. Foi então que eu conheci um amigo que costumava sair com o Sunny e achei que ele seria o único cara que poderia me dar uma opinião razoável sobre tudo aquilo. E ele me disse: Aconteça o que acontecer não deixe o Sunny ganhar porque ele tem que merecer o título, ele tem que vencer pelos próprios méritos. Naquele dia o mar estava com 10 pés, o Sunny quebrou duas pranchas e uma onda veio pra mim. Tive que surfa-la. Quando cheguei próximo à praia pensei...Meu Deus, o que eu fiz! (leva as mãos ao rosto). Ele ficou bravo? Sunny é um bom amigo e um bom atleta e quando ele saiu do mar ele me deu a mão e disse parabéns. Eu respondi que estava me sentindo muito mal e ele disse que não havia problema. Em 2000 ele ganhou o título e ficou tudo bem. Há alguma coisa que você goste mais de fazer do que surfar? Ficar com os meus filhos é o que me faz mais feliz, mas eu também amo assistir televisão. Eu sou realmente viciado em televisão, especialmente os telejornais e o Ellen Degeneres Show. Não consigo controlar a vontade de ver o programa dela (risos). Também amo cantar. Você gostaria de ser cantor profissional? Adoraria. Esse ano acompanhei um cantor chamado Pete Murray. Nós fizemos uma viagem de barco com outros músicos e eu os invejei. Gosto de cantar, mas acho que vou ter que continuar apenas no karaoke. Tom Carroll foi o primeiro surfista a assinar um contrato milionário no surf. Você lida bem com dinheiro? Não. Cheguei a fazer bastante dinheiro quando era jovem, mas deveria ter tomado mais cuidado. Gastei por aí com amigos e ajudei minha mãe depois que meus pais se separaram. Na minha época de profissional, um pouco era muito, hoje os garotos fazem muito mais grana. Mesmo assim, toda vez que eu ia ao caixa eletrônico havia dinheiro lá, então nunca me preocupei com aplicações. Jogava o dinheiro na conta e tudo bem. Mas depois comprei minha casa e perdi uma boa quantia ao me separar da minha primeira mulher, e agora da segunda. Seus filhos são do segundo casamento? Tenho dois filhos com a minha última mulher, mas a minha primeira esposa tinha um filho. Eu o vejo sempre, ele até me chama de pai, mas não é meu filho biológico, é do coração. Sua primeira mulher, Beatrice Ballardie, morreu em um acidente de carro. Como foi esse período da sua vida? Nós estávamos separados há dois anos. Eu estava na Gold Coast porque ia competir naquele final de semana. Recebi uma ligação do filho dela dizendo que eu tinha que correr para o hospital porque ela estava em coma e ele estava desesperado. O fim do nosso relacionamento foi muito difícil, mesmo assim eu fiquei todo o tempo segurando suas mãos no quarto, mas ela pegou uma infecção na boca, que se espalhou e não resistiu. O que mudou na sua vida depois dessa experiência? Mudei por dentro. Eu a amava e ela foi a mulher que estava ao meu lado quando ganhei o meu primeiro título mundial no Brasil. Ela adorava o seu país e vinha comigo todo ano. Bea fez muito por mim durante o período em que fiquei fora do “tour”, e me ajudou a dar a volta por cima quando mais precisei. Você já foi o ídolo de uma geração. Quem são os seus? Uau...No mundo do surf acho que o Kelly Slater seria um deles. O que ele fez e continua fazendo é incrível, ele é mesmo um alien, como dizem. Fora do mundo do surf acho que o Bob Marley. Eu concordo e procuro seguir tudo o que ele diz em suas letras. Eu sei todas as canções. Quão perto o Brasil está de um título mundial? Muito perto. Kelly é meu ídolo, mas Gabriel Medina é meu surfista favorito. Ele é um “freak”, suas manobras aereas são inacreditáveis e ele não deixa de arricar. Quando existe uma boa onda ele vai lá e inventa algo novo. Se existe alguém que é bom tanto na água quanto no ar e merece ganhar, esse alguém é ele. Ele é um dos melhores surfistas que eu já vi desde sempre. O Kelly deve se aposentar para dar espaço para os mais jovens? Eu não sei...Durante as finais eu ouvi algumas pessoas no palenque dizerem que ele não surfa mais como antes, mas dois minutos depois você podia escutar o público gritando na areia com as ondas que ele surfava. Ele está totalmente em forma, todos querem ve-lo e seria uma lacuna para o evento perdê-lo. Quem é o próximo Kelly Slater? Gabriel Medina. Com certeza. Ele é mais criativo e um pacote completo. Se não for o Gabriel eu diria que talvez John john Florence. Eles são jovens e dão tudo de si. Como você se vê aos 80 anos? Estou com 47 anos, quase 50! Sou o tipo de cara que vive um dia após o outro, sem grandes planos, então vez ou outra reparo nos meus amigos mais velhos e não consigo me imaginar daquele jeito. Tenho achado essa coisa de envelhecer algo bem estranho. Adoro dormir e dizem que quanto mais você envelhece, menos você quer dormir. Acho que serei um daqueles caras tranquilos na varanda da minha casa na austrália comendo algo saudável e olhando o mar. Adoro viajar, talvez eu faça viagens ao Brasil, fique um tempo por lá. Eu adoro o seu país.
Off-line. E agora?
Alex Batista Quando a Trip me propôs fazer um “detox digital”, quase entrei em pânico. Conseguiria controlar o vício de ser um instagramer adicto? Eu, que posto de dez a 20 fotos por dia, escolhendo cuidadosamente hashtags, temas e intenções? No Facebook, o problema seria um pouco menor. Apesar de postar diariamente algo que acho interessante, o vício é mais controlado. Quanto ao Twitter, é um entorpecente que não serve para mim. Para mim, que não bebo álcool, o Twitter é o equivalente a um shot de Jack Daniels. Apesar da apreensão, achei boa a ideia de ficar cinco dias sem acessar as redes sociais (era permitido checar e-mails, para o caso de receber alguma mensagem importante). Os dias off-line serviriam como um teste pra saber o quanto do meu corpinho já estaria vendido pro Mark Zuckerberg. Sou de uma geração que não nasceu com um celular grudado no cordão umbilical: só me liguei a ICQ, MSN e essas paradas todas depois de velho. Por isso, imaginei que estaria livre de viver uma crise aguda de abstinência. Ou não… Na #casadalapa, coletivo de artistas, músicos e cineastas do qual faço parte em São Paulo, foram logo me dizendo: “Afe!”, “Duvi-d-o-dó que você vá aguentar!”, “Vixe! Lá vem flood giga semana que vem pra compensar a seca!”. Tem também aqueles amigos que ficam te empurrando pro vício: “Vai, Sato, vê aqui no meu celular. Tem uma mina que te tagueou! Mó gata!”. E as inevitáveis cobranças: “Por que você não foi à minha festa? Tava no Face! Me ama porra nenhuma”. É, rapeize, o amor é a quantidade de likes que você pode dar em cada post da amada. Hoje em dia, ninguém mais percebe direito que você cortou o cabelo, pintou as unhas com as cores de Camarões ou tirou o bigode pela primeira vez. Mas todo mundo, quando te encontra, quer saber quem é o tal relacionamento enrolado que aparece no status do Facebook. Essa “proximidade” gerada no mundo virtual tem suas armadilhas; não é fácil se desvencilhar delas. Um grande amigo que trabalha com cinema dá um exemplo do mundo real do que acontece nas redes sociais. Como montador, ele passa três meses observando cada gesto, cada silêncio, cada destempero de uma atriz nas cenas gravadas de um longa-metragem. Fica tão mergulhado naquilo que tem a sensação de virar cúmplice dela. Mas aí chega o dia do lançamento do filme, ele a encontra, abre o sorrisão e grita levemente alcoolizado: “Ooooi, bela!”. E a resposta vem com um silêncio ensurdecedor (cri-cri-cri): aquela intimidade nunca existiu no mundo real. MUNDOS PARALELOS Para o meu alívio, veio um feriado no momento mais intranquilo dessa empreitada off-line. Aquele momento em que você percebe que só fala do detox pra todo mundo que encontra na rua. Percebo aí, claramente, que o mundo precisa viver em rede na mesma proporção que precisamos de água no sistema Cantareira. A rede hoje funciona como as comunidades, os bairros e as vilas funcionavam no século passado. Enquanto nos escondemos em condomínios fechados, cercados de alarmes, segurança privada e medo, a rede nos permite inventar uma second life, em que convivemos com o próximo, conversamos sobre amenidades e mostramos nosso amor com um simples like bem dado ou um “rsrsrs!” num post qualquer. Minha sorte é que meu vício na vida virtual veio em consequência de um hábito saudável da vida real. Sou um andarilho, amo a cidade onde moro e gosto de conhecer outras, não como um turista acidental, mas como um possível morador temporário. Essa vontade de mostrar o que vejo em São Paulo ou em qualquer outro lugar, as diferenças entre os bairros nos rolés – #mínimoshorizontespossíveis, #spdoséculopassado, #resistênciaurbana – caiu como uma luva no Instagram. Mais do que likes, comentários favoráveis ou os emoticons em forma de coração, fico feliz quando, por exemplo, dou uma entrevista para um jornalista de uma rádio francesa sobre arte urbana que descobriu as #musasdosato e entendeu a singularidade da beleza natural que eu tento passar nas fotos. O fato é que passei pelo detox sem maiores danos e volto ao mundo virtual com toda a força. Meu flood no Instagram está preparado, os posts no Facebook estão guardados, vou até falar alguma coisa no Twitter. Se foi bom ficar fora? Não é questão de ser melhor ou pior, o fato é que existem esses dois mundos que caminham em paralelo. Mas que podemos, a qualquer momento, transformar em esquinas. Nem oito nem 80. É ok ter seu nickname, inventar um personagem, virar um avatar, correr atrás dos melhores posts, escrever os 140 caracteres mais retuitados da semana. Mas continuar pegando metrô, comendo aquele bacalhau com a família na Páscoa, viajando com os amigos pra Gonçalves e conversando com o porteiro, isso é fundamental. *Sato DoBrasil, 46 anos, é diretor de arte, sushiman e vive em São Paulo. Ele é integrante dos coletivos #casadalapa, Frente 3 de Fevereiro e Ocupe a Mídia É vício, sim. Mas tem tratamento O professor Cristiano Nabuco, 51 anos, criou o Grupo de Dependência de Internet em 2006. “Já no primeiro dia em que divulgamos, foram 150 ligações”, diz o psicólogo, cuja equipe tem a missão de tratar pessoas que ultrapassaram a barreira do uso saudável da rede. Baseado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, o grupo recebe dependentes de vários tipos de tecnologias, de videogame a smartphone. “A internet passa a ser um veneno quando a realidade virtual ocupa mais espaço do que deveria na vida do indivíduo”, afirma o médico. Ele menciona casos extremos, como o de um jovem que passou 55 horas ininterruptas em frente ao computador, mas há situações menos evidentes. São oito os critérios que indicam dependência, como passar muito tempo conectado ou mentir sobre as horas gastas em frente ao computador. O vício digital se desenvolve à medida que o cérebro libera dopamina, neurotransmissor que traz satisfação. Cria-se uma dependência comportamental, como acontece com jogadores compulsivos – mas diferente do tabagismo, que é uma dependência química. Para Nabuco, os casos de vício tecnológico tendem a aumentar muito e os grandes sites e empresas têm total responsabilidade sobre isso. “Na indústria do cigarro foram necessários 150 anos para que estampassem nos rótulos os riscos de fumar... com a tecnologia não deve ser diferente.”Um diretor de arte viciado em redes sociais + o desafio de ficar cinco dias sem acessar Facebook, Instagram ou Twitter. Aqui, O resultado dessa experiência
O ar das grandes cidades está deixando as pessoas doentes?
Segundo o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, a poluição atmosférica está causando mais estragos na saúde do mundo. Sete milhões de pessoas morreram prematuramente em 2012 por doenças causadas pela poluição do ar. Reduzir essa poluição pode salvar milhões de vidas. A seguir, algumas opiniões sobre o assunto. No link abaixo, mais sobre o estudo da OMS. Vai lá http://goo.gl/MbdtZR
Daniel Kfouri
Questão de lógica
“Tem um monte de estudo que mostra que sim. Mas me parece mais interessante considerar que o resultado do veneno que está no ar nasce de uma lógica que se reflete nos ouvidos, nos olhos, na pele, no espaço que nos circunda. É científico que o ar poluído tem aumentado o índice de doenças físicas ano após ano, mas a lógica que gera o ar poluído – e considera normal, por exemplo, passar horas diariamente preso dentro de um automóvel – certamente gera mais doenças psicológicas do que podemos imaginar e comprovar cientificamente.”
Alexandre Orion, 35 anos, artista multimídia, é autor da intervenção Ossário, em que usou um pano úmido para desenhar sobre as paredes de um túnel de São Paulo, cobertas de fuligem
Andrade
Feito Cigarro
“A poluição do ar hoje representa um problema de saúde pública. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, no ano de 2012, 7 milhões de pessoas morreram prematuramente no mundo por essa causa. Dessas, 4 milhões em consequência da poluição intradomiciliar (queima de combustível de origem orgânica para aquecimento ou preparo de alimentos), enquanto 3 milhões morreram devido à exposição à poluição externa. A maioria ocorreu na Ásia, Oriente Médio, África e Américas Latina e Central. Ou seja, poluição é coisa de regiões carentes.
As mortes se devem às seguintes doenças: infecções respiratórias, infartos cerebral e do miocárdio, câncer dos pulmões e abortamentos. Os segmentos da população mais vulneráveis são crianças, idosos e indivíduos portadores de doenças crônicas como hipertensão arterial, aterosclerose, diabétes, bronquite crônica e asma.
As estimativas gerais são de que 16% dos tumores pulmonares, 20% dos infartos pulmonares e 14% das infecções respiratórias do mundo sejam causadas pela poluição do ar.
As forças responsáveis por essa situação são:
a) aumento do consumo de energia pelos países em desenvolvimento com baixa tecnologia;
b) aumento do tempo de permanência no tráfego (onde há maior poluição) devido à imobilidade no trânsito;
c) opções de obtenção de energia obsoletas e muito poluentes.
A poluição do ar reproduz com menor intensidade todos os efeitos do cigarro: causa danos ao DNA (mutações e câncer), altera os mecanismos de defesa dos pulmões contra agentes infecciosos, prejudica a fisiologia dos vasos sanguíneos e altera o controle dos batimentos cardíacos. O cigarro faz isso com muito mais intensidade. Mas, por outro lado, o número de pessoas expostas à poluição é muito maior do que o de fumantes.”
Paulo Saldiva, 59 anos, médico especialista em saúde ambiental e membro do Comitê de Qualidade do Ar da Organização da Saúde (OMS)
Edu Delfim/Editora Trip
Poluições da alma
“Com certeza. O ar das grandes cidades contém uma poluição constante que se realiza em gases e sentimentos. Crescem a violência e o medo, que são poluições da alma. Embora estejamos cada vez mais urbanos, fadados a viver em cidades sempre maiores e mais entomizadas (como os grandes aglomerados de insetos), ainda trazemos os costumes primatas, de viver em pequenos grupos. Isso cria uma permanente tensão, que precisa ser solucionada para que possamos nos harmonizar com o destino.”
Leão Serva, 54 anos, jornalista e escritor, coautor do guia Como viver em São Paulo sem carro
Ressurgido das águas
Str New/Reuters Surfista desde os 9 anos, Mark Occhilupo é uma espécie de fênix das pranchas. No auge da carreira, se envolveu com drogas, encarou a depressão, passou meses jogado no sofá, engordou e, depois de tudo isso, em uma reviravolta triunfal, tornou-se campeão mundial de surf em 1999 justamente na etapa do Brasil. Hoje, aos 47, deixou a junk-food e as substâncias químicas para trás e se assume viciado em apenas uma coisa: televisão, que vê na companhia dos dois filhos. “Gosto especialmente dos telejornais e do Ellen Degeneres Show.” O australiano, que no início dos anos 80 encarou o mar havaiano de 10 a 15 pés e depois de alguns caldos chegou à final do Pipe Masters, nunca mais deixou de ir ao arquipélago, que visita regularmente para surfar. É de lá, mais especificamente de Pipeline, que ele conversou com a Trip sobre a vida marcada por extremos. “Você precisa gostar muito da sua própria companhia para aguentar essa vida.” No início dos anos 1990 você teve depressão, problemas com drogas, ganhou muito peso e parou de surfar. Como foi a volta por cima que o tornou campeão em 1999, aos 33 anos? Passei mais de um ano sem levantar do sofá, só comendo batata frita e outras porcarias. Cheguei a 111 quilos. Um dia, meu patrocinador entrou em casa, me viu no sofá e disse: “Sério, Occy, não posso mais te pagar para ficar aí”. Então tive de levantar outra vez. E como foi a retomada? Eu morria de vergonha do meu corpo. Estava tão gordo que só surfava escondido. Depois passei a correr, retomei a ioga, passei a comer peixe e salada. Antes acordava, comia cereal achocolatado, almoçava frango frito e batata frita. E qualquer coisa congelada no jantar. O que você faz atualmente? Eu ainda trabalho para a Billabong. Comento transmissões on-line, participo de surf camps e cuido de alguns eventos infantis da marca na Austrália. Não pensou em ser treinador? Nunca fiz isso na vida, mas adoraria. Mas teria que treinar a mim mesmo antes de dizer a outra pessoa o que ela deve fazer. Adoro dar dicas a jovens profissionais. Tudo grátis. Há algum alimento que você considera veneno hoje? Fui vegetariano por dois anos, mas voltei a comer carne porque sentia muita fraqueza. Hoje considero junk-food uma espécie de veneno, mas ainda como uma vez ou outra. E quanto às drogas? Eu nunca gostei disso, mas parece que o problema é como uma doença mesmo. Tem gente que experiementa quando é jovem e não se vicia. Acho também que existem muitos tipos diferentes de drogas. Não estou aqui falando de maconha. As pessoas não pensam nas pílulas para dormir e no Valium e elas são um problema sério. Você começou com elas? Sim, eu viajava muito. Todos os dias estava em lugares diferentes e acabei ficando dependente das pílulas para dormir, do valium e de coisas das coisas eu não gosto nem de falar. Tive que deixar isso para trás, mas foi um período muito difícil. Chega um dia em que você tem que fazer uma escolha entre o mundo real e um outro mundo para onde essas substâncias te levam. E cocaína? Não gosto de falar nisso. Tive problemas com a cocaína, sim, mas ainda acho que o perigo estava no calmante e nos analgésicos. Hoje, quando tenho problemas para dormir, uso medicamento natural. Se estou com dor nas costas, tento fazer alongamento e repouso. Você dividia o problema do vício com alguém? Não. Quando você usa algo desse tipo você tenta esconder das pessoas porque já´sabe o que elas vão dizer e sabe também que não consegue fazer o que precisa ser feito para parar. Minha primeira mulher me deu muita força e foi ela que me fez procurar um terapeuta. Frequento até hoje por causa da depressão e acho que foi o melhor caminho porque aquela pessoa te escuta e não vai sair por aí falando de você.
Pete Frieden/A-Frame Você sofre com isso atualmente? Eu tento manter a depressão longe, mas não é uma escolha. Minha psiquiatra tem que ficar de olho e checar se está tudo bem. Quando larguei o circuito depois de ganhar o título mundial eu não estava drogado, eu estava deprimido. Você se habitua a competir e a vencer, e quando isso some é bem deprimente. Há muita fofoca no mundo do surf? Acho que como em qualquer outro esporte. Mas eu faço de tudo para ficar longe disso. Quando saí do circuito tenho certeza que houve muita fofoca a meu respeito, mas eu não quero nem saber. Durante as viagens você se sentia sozinho? Bastante. Quando você viaja muito seu melhor amigo é você mesmo. Já fiquei muito sozinho em quartos de hoteis e aviões. Você precisa gostar muito da sua própria companhia para aguantar essa vida. Quem são seus melhores amigos hoje? Meu filho. Ele é puro, inocente. No mundo do surf tenho alguns como Joel, Mick, mas atualmente todos eles estão muito ocupados. Joel tem três filhos, mas sempre tentamos manter contato. Tenho também um amigo muito antigo, Richard Cram. Crescemos juntos e ele é um parceiro. Ele mora em Sidney, eu vivo na Gold Coast, mas nos falamos sempre ao telefone e eu posso desabafar com ele. Tenho também alguns amigos de festa, que encontro por aí. Você foi um cara namorador? Amar outra pessoa quando se tem esse estilo de vida também é um problema. Fui casado duas vezes e posso te afirmar que manter um casamento viajando tanto beira o impossível. Você pode conseguir muitas garotas, mas chega uma hora em que você quer uma garota com a qual você se sinta confortável, que você possa trocar carinho, conversar, beijar. Isso sempre foi um grande problema pra mim. Aliás, ainda é. Sente medo de morrer? Sinto e penso nisso todos os dias antes de dormir. As pessoas sempre dizem que a melhor maneira de morrer é fazendo algo que você ama, mas eu discordo. Não gostaria de morrer surfando. Acredita em sorte? Sou talvez uma das pessoas mais supersticiosas que você conheça. Quando eu competia, achava que tudo que acontecia era um sinal para dizer se eu ia ou não ganhar. Sou obcecado pelo número 6. Em dia de competição, se o carro que ia me buscar não tinha 6 na placa, eu achava que ia perder. Nasci no dia 16 do mês 6 de 1966. Até hoje eu reparo se existe esse número nas casas ou em quartos de hotel. E carrega algum patuá? Eu já usei. Mas hoje sinto que espiritualmente fico mais forte se não houver colares, aneis e até tatuagem entre meu corpo e o mar. gosto de estar o mais natural possível para me misturar com o oceano e a mãe natureza. Você é religioso? Sou católico. Sei que não deveria ser tão supersticioso sendo católico, mas não consegui me livrar disso. Rezo antes de dormir e ao acordar. "Quando larguei o circuito, depois de ganhar o título mundial, eu não estava drogado, estava deprimido" Já pensou em desistir alguma vez? Das garotas? Não, do surf, por causa das garotas! (gargalhadas) Nunca. O surf ultrapassa tudo isso. Mesmo quando eu fico triste por causa dos relacionamentos, posso olhar o mar como fiz hoje aqui em Pipeline e depois de pegar uns tubos, volto para a areia e fico mais feliz. Qual o seu momento mais inesquecível aqui no Noth Shore? Foi no início dos anos 80, quando fui convidado para o Pipe Masters. O mar estava grande, talvez com uns 10 ou 15 pés e eu estava com muito medo, mas depois de uns caldos acabei pegando boas ondas e cheguei até a final. Foi como um rito de passagem, porque eu sabia que depois daquele dia eu nunca mais deixaria de vir ao Havaí para surfar. E o pior momento que você já viveu aqui? Lembro de uma vez em que tive que surfar contra Sunny Garcia no WCT. Ele brigava por seu primeiro título mundial. Quando eu cheguei ao país, todos os havaianos me diziam que eu tinha que deixa-lo ganhar. Foram dias de muita pressão e ameaças. O localismo era pesado. Que tipo de pressão? Eu recebia mensagens no meu telefone do tipo: se você estiver pensando em bater o Sunny é melhor arrumar as malas e voltar logo para casa porque vamos acabar com você. Foi então que eu conheci um amigo que costumava sair com o Sunny e achei que ele seria o único cara que poderia me dar uma opinião razoável sobre tudo aquilo. E ele me disse: Aconteça o que acontecer não deixe o Sunny ganhar porque ele tem que merecer o título, ele tem que vencer pelos próprios méritos. Naquele dia o mar estava com 10 pés, o Sunny quebrou duas pranchas e uma onda veio pra mim. Tive que surfa-la. Quando cheguei próximo à praia pensei... Meu Deus, o que eu fiz! (leva as mãos ao rosto). Ele ficou bravo? Sunny é um bom amigo e um bom atleta e quando ele saiu do mar ele me deu a mão e disse parabéns. Eu respondi que estava me sentindo muito mal e ele disse que não havia problema. Em 2000 ele ganhou o título e ficou tudo bem. "Eu sou realmente viciado em televisão, especialmente os telejornais e o Ellen Degeneres Show. Não consigo controlar a vontade de ver o programa dela (risos)" Há alguma coisa que você goste mais de fazer do que surfar? Ficar com os meus filhos é o que me faz mais feliz, mas eu também amo assistir televisão. Eu sou realmente viciado em televisão, especialmente os telejornais e o Ellen Degeneres Show. Não consigo controlar a vontade de ver o programa dela (risos). Também amo cantar. Você gostaria de ser cantor profissional? Adoraria. Esse ano acompanhei um cantor chamado Pete Murray. Nós fizemos uma viagem de barco com outros músicos e eu os invejei. Gosto de cantar, mas acho que vou ter que continuar apenas no karaoke. Tom Carroll foi o primeiro surfista a assinar um contrato milionário no surf. Você lida bem com dinheiro? Não. Cheguei a fazer bastante dinheiro quando era jovem, mas deveria ter tomado mais cuidado. Gastei por aí com amigos e ajudei minha mãe depois que meus pais se separaram. Na minha época de profissional, um pouco era muito, hoje os garotos fazem muito mais grana. Mesmo assim, toda vez que eu ia ao caixa eletrônico havia dinheiro lá, então nunca me preocupei com aplicações. Jogava o dinheiro na conta e tudo bem. Mas depois comprei minha casa e perdi uma boa quantia ao me separar da minha primeira mulher, e agora da segunda. Seus filhos são do segundo casamento? Tenho dois filhos com a minha última mulher, mas a minha primeira esposa tinha um filho. Eu o vejo sempre, ele até me chama de pai, mas não é meu filho biológico, é do coração. Sua primeira mulher, Beatrice Ballardie, morreu em um acidente de carro. Como foi esse período da sua vida? Nós estávamos separados há dois anos. Eu estava na Gold Coast porque ia competir naquele final de semana. Recebi uma ligação do filho dela dizendo que eu tinha que correr para o hospital porque ela estava em coma e ele estava desesperado. O fim do nosso relacionamento foi muito difícil, mesmo assim eu fiquei todo o tempo segurando suas mãos no quarto, mas ela pegou uma infecção na boca, que se espalhou e não resistiu. O que mudou na sua vida depois dessa experiência? Mudei por dentro. Eu a amava e ela foi a mulher que estava ao meu lado quando ganhei o meu primeiro título mundial no Brasil. Ela adorava o seu país e vinha comigo todo ano. Bea fez muito por mim durante o período em que fiquei fora do “tour”, e me ajudou a dar a volta por cima quando mais precisei. Você já foi o ídolo de uma geração. Quem são os seus? Uau...No mundo do surf acho que o Kelly Slater seria um deles. O que ele fez e continua fazendo é incrível, ele é mesmo um alien, como dizem. Fora do mundo do surf acho que o Bob Marley. Eu concordo e procuro seguir tudo o que ele diz em suas letras. Eu sei todas as canções. Quão perto o Brasil está de um título mundial? Muito perto. Kelly é meu ídolo, mas Gabriel Medina é meu surfista favorito. Ele é um “freak”, suas manobras aereas são inacreditáveis e ele não deixa de arricar. Quando existe uma boa onda ele vai lá e inventa algo novo. Se existe alguém que é bom tanto na água quanto no ar e merece ganhar, esse alguém é ele. Ele é um dos melhores surfistas que eu já vi desde sempre. O Kelly deve se aposentar para dar espaço para os mais jovens? Eu não sei...Durante as finais eu ouvi algumas pessoas no palenque dizerem que ele não surfa mais como antes, mas dois minutos depois você podia escutar o público gritando na areia com as ondas que ele surfava. Ele está totalmente em forma, todos querem ve-lo e seria uma lacuna para o evento perdê-lo. Quem é o próximo Kelly Slater? Gabriel Medina. Com certeza. Ele é mais criativo e um pacote completo. Se não for o Gabriel eu diria que talvez John john Florence. Eles são jovens e dão tudo de si. Como você se vê aos 80 anos? Estou com 47 anos, quase 50! Sou o tipo de cara que vive um dia após o outro, sem grandes planos, então vez ou outra reparo nos meus amigos mais velhos e não consigo me imaginar daquele jeito. Tenho achado essa coisa de envelhecer algo bem estranho. Adoro dormir e dizem que quanto mais você envelhece, menos você quer dormir. Acho que serei um daqueles caras tranquilos na varanda da minha casa na austrália comendo algo saudável e olhando o mar. Adoro viajar, talvez eu faça viagens ao Brasil, fique um tempo por lá. Eu adoro o seu país.
O que te dá tesão na vida?
Christian Gaul/Acervo Trip “Talvez seja surpreendente eu falar isso, mas excitação não tem muito a ver comigo. As pessoas fazem uma imagem errada de mim: eu sou muito do sossego. Tenho horror a adrenalina, eu gosto de segurança. Eu gosto do quentinho, das quatro paredes, da cama arrumada. E gosto de ritual. Adoro quando a gente organiza nossas ‘festinhas no céu’. A gente escolhe uma música, abre um vinho, acende uma vela, toma um banho, eu falo ‘você quer banho do quê? Temos de rosa e temos de verbena’. Isso eu adoro – mas tem menos de excitação e mais de ritual. Alguma coisa que me pilhe não necessariamente é boa pra mim. Respiração curta me aflige demais. Mas, se eu tiver que pensar sobre o que é minha grande droga, minha cocaína, eu diria joia. Eu amo joia! Joia cara, joia de Hollywood. Eu vejo aquilo e derreto, mexe comigo... Em relação a sexo, eu não tenho essa coisa quente de surpresa, lugares. Tenho horror a isso, à possibilidade de alguém me ver de quatro, pelada, transando. Quero ter certeza de que eu estou na minha intimidade, de que estou segura, de que sei onde estou, de que meu filho não vai abrir a porta e de que ninguém está me ouvindo.” Luana Piovani, 37 anos, é atriz e acaba de atuar no longa Réveillon, de Fábio Mendonça Christian Gaul/Acervo Trip “Viajar para conhecer novos horizontes. Conhecer outros sons que ativam outros lugares do cérebro, sabores desconhecidos e as deliciosas camas de hotel. Fazer amor pela manhã e cochilar mais um bocadinho antes de uma orgia gastronômica no brunch, seguido de outro cochilo. Viajar é o tesão do amor pelo mundo! Recentemente me apaixonei pela dor muscular causada pela atividade física exaustiva do kickboxing, do muai thay e do pilates com peso. São dores opostas àquelas que o sedentarismo provoca. Em vez de mal-estar, dá o maior tesão. Principalmente depois do banho, quando a gente se olha no espelho e percebe o corpo rejuvenescendo a cada dia. Endorfina é o tesão do amor próprio!” Thalma de Freitas, 39 anos, é atriz e cantora