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Pelo Retrovisor

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O neon do recém-reaberto Riviera, um dos lugares de ar retrô que fazem sucesso na noite de São Paulo

O neon do recém-reaberto Riviera, um dos lugares de ar retrô que fazem sucesso na noite de São Paulo

Medo do futuro? Reação à overdose de referências, num presente em que todas as modas convivem? Ou saudade de um tempo (talvez um tanto idealizado) em que tudo parecia mais simples? Na música, na moda, na arquitetura, na gastronomia, na vida, o passado é o novo preto

“As pessoas buscam outros valores porque se cansaram do frenesi dos centros urbanos” Aline Souza, jornalista

João Carlos Bottcher, restaurador de bicicletas paulista que atua em Santa Catarina, é um nostálgico assumido. “O que é moderno não me atrai muito”, diz o fã de Led Zeppelin e Ray Conniff que há alguns anos vive de recuperar modelos vintage de bikes para uma larga clientela interessada em reviver momentos felizes. Bottcher estudou história e preparava-se para seguir carreira de professor quando reformou sua primeira bicicleta, uma Caloi Sportíssima dos anos 70. Amigos e conhecidos começaram a requisitar seus serviços e a brincadeira de fundo de quintal foi virando profissão. Como ele, seus clientes têm um pé no passado. “Muitos são colecionadores, mas boa parte é de pessoas mais jovens que querem pedalar a bicicleta que foi do avô, do pai, ou um modelo idêntico”, conta.

Para além do desejo de resgatar estéticas de um tempo que hoje enxergamos como mais glamouroso, transgressor ou bonito, movimentos contemporâneos têm sugerido um tipo bem específico de nostalgia: a saudade de um passado em que se vivia de forma aparentemente mais simples, ao menos no que diz respeito às formas e à velocidade da vida.  Para a jornalista Claudia Visoni, ativista paulistana do grupo Hortelões Urbanos – que propõe a criação de espaços de cultivo em espaços públicos da cidade, como praças, parques e canteiros –, não é exatamente o desejo de voltar ao passado que move grupos como esse, mas a busca de resgatar algo que ficou para trás.

Não somos passadistas”, diz, enquanto reflete sobre as motivações do movimento. “Nós nos afastamos

Danças que animavam a festa no século passado, como o hully gully (acima), podem ser aprendidas no Youtube.

Danças que animavam a festa no século passado, como o hully gully (acima), podem ser aprendidas no Youtube.

demais da concretude da vida. Hoje compramos tudo: roupa, comida, até experiências prontas. O papel que nos sobra é o de consumidor. Mas o homem é um fazedor. Capinar uma horta coloca tudo no lugar, nos apazigua do ponto de vista emocional e espiritual. Preenche esse buraco, esse banzo que não sabemos dizer de onde vem.” O contato com a natureza e seus ciclos – ver uma planta brotar, crescer, murchar, cair – nos conectaria com a história de nossas vidas: a infância, a juventude, o viço, a esperança, a decadência, o fim. “Acho sintomática essa volta ao passado. A revolução dos costumes jogou muita coisa fora. Além do que não prestava, jogou também raízes que são muito importantes para nós. É como a criança adotada que, por mais que seja amada por sua família, precisa saber de onde veio, quer reconstruir sua história”, completa a jornalista.

João e Claudia são expoentes de uma tendência facilmente observada no mundo contemporâneo: de formas que variam muito, o passado está na moda. Seja alimentando o modismo duradouro que há alguns anos populariza termos como retrô e vintage – originalmente, esta última palavra designa a melhor porção de uma produção clássica de moda, e não qualquer coisa antiga –, seja na onda nostálgica que faz grupos e gente avulsa reviverem estilos e ideias do passado. Muitos por assumida saudade de um tempo que consideram melhor; outros porque se identificam mais com estilos consagrados do que com os contemporâneos; outros, ainda, para resgatar valores que pareciam em baixa nas últimas duas ou três décadas.

"O presente do pop está povoado pelo passado" Simon Reynolds, jornalista inglês

As manifestações são as mais variadas. No Rio de Janeiro, um restaurante – sintomaticamente batizado Volta – serve pratos que foram famosos nos anos 60 e 70, como coquetel de camarão com molho rosé e arroz de forno, enquanto turmas promovem encontros para dançar lindy hop, estilo acrobático importado da era do swing. Em São Paulo, os anos 50 dão o tom à decoração e ao clima de diversos lugares da moda, do recém-reaberto Riviera ao Cine Joia, enquanto grupos como os Hortelões Urbanos tentam recriar a paz do tempo em que se cultivava a própria comida.

No Facebook, uma página brasileira atrai 600 mil seguidores desencavando cacarecos que foram populares no passado e caíram no esquecimento: o Guaraná Caçulinha, a ficha telefônica, a fita cassete. Na TV, novelas como Água viva e Dancing days, dos anos 70 e 80, voltam ao ar e viram assunto. No rádio ou nos clubes, não há hit pop internacional que não faça referência a períodos mais efervescentes da cultura pop: psicodelia, punk, hip-hop, techno.

Se parte dessa onda retrô pode ser atribuída ao vaivém normal da moda – comprimentos, padrões e manias de décadas passadas sempre voltaram para nos assombrar (ou divertir) –, o que caracteriza o passadismo atual? E o que está por trás de tanto saudosismo? A explicação mais óbvia é que buscar referências nostálgicas nunca foi tão fácil. Na era da internet, não há o que não se ache: a história da moda, da crinolina à Mary Quant, no Pinterest ou no Google; as bandas obscuras do krautrock alemão, nos blogs que compartilham sons esquisitos; os passos do hully gully e do boogaloo ensinados no YouTube. Até a foto que você acaba de fazer no viaduto do Chá ganha um jeitinho amarelado com algum filtro romântico do Instagram.

Mas há quem ache que a explicação está longe de se esgotar por aí. “As pessoas vão em busca de outros valores porque estão cansadas do frenesi dos grandes centros urbanos”, arrisca a jornalista Aline Souza, que organiza a Tweed Ride carioca, versão local para a moda (que se propagou desde a Inglaterra) dos passeios ciclísticos realizados por grupos trajando roupas de época. “Elas procuram um certo glamour que havia em outros tempos.” É em busca disso que seus amigos se reúnem para passear de bicicleta vestindo roupas de tweed, como se estivessem no século 19, por recantos nostálgicos do Rio, apreciados no passado para passeios, como a Quinta da Boa Vista e a Ilha de Paquetá.

Ninguém entende um mod

Arquivo Pessoal

A zona leste paulistana viu crescer, nos últimos dez anos, um revival do estilo mod inglês dos anos 60, com cabelo cuia, jaquetas e lambretas. “Beatles e The Who são referências importantes, mas pesquisamos timbres de bandas de garagem dos anos 60, ouvimos muita Tropicália, ficamos fascinados pelos afro-sambas de Baden Powell e de Vinicius de Moraes e por Lanny Gordin”, conta Pedro Bizelli, do quarteto mod Os Skywalkers. “Não acredito que sejamos nostálgicos. Essa busca pelos timbres antigos nos fez descobrir coisas realmente novas para nós”, diz.

 

Arquivo Pessoal/Rayssa Coe

Dancing queen

A cantora Mari Moraes tocava numa banda de baile com Diego Sena, Jheff Saints e Patricia Andrade quando teve a ideia de criar o ABBA History, com covers do grupo sueco, maior sucesso de seus sets. De cara, lotaram um teatro de 800 lugares em Porto Alegre. Hoje tocam no Brasil inteiro para cinquentões saudosos. Até aí, nada de muito novo: bandas cover não são exatamente um fenômeno desta década. O que impressiona é a quantidade de adolescentes nos shows. Há fãs ardorosos, como o menino de 15 anos que tem tudo do ABBA (que fez sua última aparição na formação original em 1982) e ajudou na pesquisa de figurinos. Para Mari, a explicação mais plausível é que “a música do passado era melhor”. “A beleza das letras e a riqueza de melodias ficaram de lado na música moderna. Os artistas do passado cantavam com garra e emoção”.

"No novo milênio, olhar para o futuro deixou de ser uma experiência positiva" Dario Caldas, Sociólogo

Você é linda

Se pudesse, Eve Almeida, 24 anos, viveria na Swinging London dos anos 60. Desde adolescente, é apaixonada por Beatles, The Who, Rolling Stones, David Bowie, Linda Eastman, Marianne Faithfull e Twiggy. Foi de tubinho, botas e franjinha existencialista que conheceu num show o marido, o músico Reinaldo Almeida, que encarna Paul McCartney na banda cover ZoomBeatles. “O gosto pela moda do passado ajudou a gente a se entender”, explica. “Acho que é nostalgia, saudade de uma época que não vivi”

Divulgação/TV Globo

Dancing days, de 1978, é a próxima candidata a cult entre as novelas reprisadas pelo canal Viva, que se dedica a revisitar o passado da Rede Globo; antes, vieram Vale tudo e Água viva, no ar até abril

Dancing days, de 1978, é a próxima candidata a cult entre as novelas reprisadas pelo canal Viva, que se dedica a revisitar o passado da Rede Globo; antes, vieram Vale tudo e Água viva, no ar até abril

Em muitos casos, a motivação é mais estética. Sócio da Barbearia 9 de Julho, salão com decoração anos 50 que cuida de cabelos e barbas à moda antiga, e que já tem seis unidades em São Paulo, Anderson Napoles conta que, aos 15 anos, não via graça na música que vinha do rádio, achava o grunge dos anos 90 de virar o estômago e odiou o techno “na primeira batida”. Só encontrou sua turma quando as duas irmãs começaram a namorar rockers, que viraram seus ídolos. Cultivou um topete e encontrou em Elvis Presley, Eddie Cochran e Gene Vincent seu veneno antimonotonia.

Teve a ideia do negócio próspero com o sócio Tiago Cecco. A primeira barbearia, aberta na rua Augusta, atraiu moderninhos e hipsters e, mais tarde, mauricinhos e executivos, com decoração charmosa e serviço à moda antiga – os clientes adoram especialmente as toalhas quentes que envolvem o rosto para abrir os poros, antes de fazer a barba. A iniciativa tem tudo a ver com o fato de Anderson ter adotado o estilo rocker como modo de vida. Assim como a escolha da parceira romântica, a estilista Larissa Montagner, que ele conheceu em uma festa rockabilly e com quem casou em Las Vegas, com pastor fantasiado de Elvis. Dona de uma grife especializada em vestir pinups e rockers, e ela mesma adepta do look saia rodada, cintura marcada, pérolas, laços, anáguas e babados, Larissa tenta resumir a mania que pauta a vida dos dois. Não é que falte qualidade estética ao presente, acredita. “Simplesmente nos identificamos mais com o estilo dos anos 50.”

Em seu livro Retromania, o jornalista inglês Simon Reynolds analisa o fenômeno nostálgico em um campo em que ele é particularmente forte: a música dos anos 2000. Para Reynolds, os primeiros dez anos do novo século são a redecade, a década do revival, do relançamento, do remake. Viu a soul music renascer (na perfeita tradução de Amy Winehouse), bandas aposentadas se reunirem, álbuns históricos serem relançados em luxuosas caixas com CDs e vinis, velhos roqueiros escrevendo memórias, filmes e musicais


Segundo ele, o pop sempre personificou o presente, o agora; e é aí, justamente, que mora a mudança. “O presente é o domínio do jovem e o jovem, em princípio, não tem razão para ser nostálgico, até porque não conta com um catálogo extenso de recordações preciosas”, escreve. O pulsar do agora, porém, foi perdendo a força: “O presente do pop é cada vez mais povoado pelo passado”, afirma.revivendo grandes

Para cientistas ingleses, a nostalgia conforta

Reynolds coloca uma boa dose da culpa pelo fenômeno na internet – o compartilhamento de arquivos e a

Eduardo Knapp/Folhapress

Símbolo de um modernismo menos sisudo, que misturava elementos nouveau e déco, o Cinderela, de João Artacho Jurado, é um dos edifícios dos anos 1950 mais cobiçados de São Paulo

Símbolo de um modernismo menos sisudo, que misturava elementos nouveau e déco, o Cinderela, de João Artacho Jurado, é um dos edifícios dos anos 1950 mais cobiçados de São Paulo

enciclopédia do YouTube fomentaram como nunca a nostalgia. Mas também aponta o dedo para o fetiche passadista da geração hipster. “Em vez de serem pioneiros e inovadores, eles pegaram o papel de curadores e arquivistas”, escreve. Concluindo o estudo, lança uma pergunta interessante: “A nostalgia impede a cultura de ir adiante ou somos nostálgicos porque nossa cultura não consegue mais ir para a frente?”.

ideia de um vazio estético é recorrente, quando se trata de tentar explicar o passadismo do novo século. Nessa visão, prevalece a sensação de que não há mais o que inventar na costura, na música, no cinema, nas artes plásticas, no design, na arquitetura. Para o sociólogo Dario Caldas, diretor do Instituto de Pesquisa de Tendências Observatório de Sinais, essa falência, que chama de “esvaziamento de caminhos”, é uma leitura possível. A arquitetura foi responsável por detonar nos anos 80 o pós-modernismo, bastante caracterizado por essa volta ao passado. E a moda, no final do século 20, foi precursora da colcha de retalhos que vemos hoje. 

“É o historicismo como método de recriar, reinterpretar e reler as décadas passadas”, acredita. Para ele, o fenômeno tem muito de consumista, como sugere Reynolds, e um quê conservador. “Talvez o que se perca seja o caráter transgressor. Para transgredir, é preciso ter ideias”, diz Caldas.

Mais relevante, acredita o sociólogo, é ler nesse passadismo um certo temor ao futuro. Se um tempo tão focado no presente como o nosso, em que tudo é registrado e compartilhado em tempo real pela rede, abre janelas para o passado, é justamente porque o que está em crise é o futuro: “Do começo do milênio para cá, olhar para o futuro deixou de ser uma experiência positiva. O mundo é perigoso, inseguro, não sabemos se vamos ter emprego e ainda por cima chegamos à conclusão de que destruímos o planeta”, diz.

Bruno Lisboa

A jornalista Aline Souza, que organiza a Tweed Ride carioca

A jornalista Aline Souza, que organiza a Tweed Ride carioca

Essa visão pode ter um paralelo interessante na ciência, que vem descobrindo efeitos positivos em um sentimento que sempre foi considerado nocivo à psicologia e à alma humanas: a nostalgia. Os estudos de um grupo da Universidade de Southampton, na Inglaterra, têm mostrado que cultivar boas lembranças não produz apenas conforto emocional – sensação de felicidade, autoestima aumentada –, como também conforto físico. Testes realizados pelos cientistas britânicos sugerem que pessoas induzidas a relembrar momentos gostosos – o doce preparado pela avó, a música da adolescência, uma viagem feliz em família – têm maior resistência ao frio, porque sua temperatura corporal tende a subir (junto com o astral). Conclusão: a nostalgia ajuda muita gente a lidar com as vicissitudes da vida.

Como sua avó

Produtos que contam a história de uma comunidade são cada vez mais apreciados pelos consumidores”, diz Luciana Stein, da Trendwatching, empresa que estuda e monitora tendências de consumo. No Brasil, um caso emblemático é o da Casa Granado, empresa de perfumaria fundada no Rio de Janeiro em 1870. A partir de 2004, a marca começou a resgatar fórmulas e embalagens antigas e a criar linhas com ares vintage. O sucesso revela nos consumidores um componente nostálgico: são adolescentes que acham o look antigo charmoso ou idosas que acreditam ser “do seu tempo” um sabonete lançado mês passado.


Maconha é veneno ou remédio?

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Reprodução

Alamy

Veneno é o que sai da boca do homem

Eduardo Knapp/Folha Press

Tarso Araujo

Tarso Araujo

Esse papo de chamar maconha de veneno é uma invenção do século 20. Mais precisamente de um tal de Harry Anslinger, chefe da repressão ao contrabando de álcool, na Lei Seca que rolou nos Estados Unidos da década de 1920. Quando Al Capone virou o que conhecemos, a proibição veio abaixo e o “senhor antidrogas” precisava de outra droga para chamar de coisa do diabo e justificar suas verbas.

Maconha pode fazer mal, é verdade. Ora, qualquer coisa pode fazer mal dependendo de como você se relaciona com ela. Não precisa ser o ‘veneno da lata’. Pode ser televisão, refrigerante, água, mulher – ou homem. Mas a maconha faz bem também.

Muito, mas muito antes de o tal Anslinger dizer que a marijuana era a ‘erva do diabo’, ela era famosa como remédio. Suas propriedades terapêuticas são conhecidas há pelo menos 4 mil anos na China. Há 2 mil anos isso já estava escrito em farmacopeias chinesas e egípcias. A Cannabis era antídoto para uma variedade de doenças, para as quais hoje a dita ‘ciência moderna’ reconhece sua eficácia.

Em março, lancei um curta-metragem chamado Ilegal, sobre a história de uma mãe guerreira que lutava para tratar a epilepsia da sua filha com canabidiol, uma substância extraída da maconha. A pequena Anny Fischer tinha 5 anos e pelo menos 60 convulsões por semana. Com uma gotinha diária do fitoterápico, ela zerou suas crises. Zerou!

A história do filme foi parar no Fantástico, emocionou o país e deixou todo mundo boquiaberto. “Ué, maconha pode ser remédio?” Sim, pode. E sabe desde quando médicos do Ocidente foram informados que certas variedades da planta podem tratar a epilepsia? Desde 1841, quando se publicou o primeiro estudo em inglês sobre o assunto. Pois é, passamos quase dois séculos fingindo que não sabíamos disso.

E ainda tem gente que diz que veneno é a maconha. Veneno, para mim, aquilo que nos mata e nos faz mal, é a ignorância e o preconceito com que a maioria das pessoas trata o assunto droga. O antídoto para isso já se conhece: informação.”

Tarso Araujo, 36 anos, jornalista, autor do Almanaque das drogas e codiretor do filme Ilegal

Bloqueio

Vendo pela parte científica do negócio, o que está sendo usado medicinalmente hoje em dia é o CBD (o canabidiol), que não tem nada a ver com o poder alucinógeno do THC. Estamos falando de coisas diferentes. Existe uma planta que é medicinal e da qual você pode eliminar a parte alucinógena, usada como droga, e usar a parte medicinal.

Na Lata/Editora Trip

Giba

Giba

 Existem relatos de pais que fazem contrabando para trazer dos Estados Unidos medicamentos para os filhos e falam: ‘Sei que é contrabando, mas para salvar meu filho eu faço qualquer coisa’. Eu até mudaria para lá para salvar meu filho! Existe um tabu diante da droga. Mas é certo que a própria planta salva vidas. Como ser contra isso? Após conhecer o relato da família Fischer com a menina Anny, como não legalizar a maconha? Tudo depende de como ela é usada: maconha pode ser um veneno ou um medicamento. O efeito da maconha como droga é um, o efeito como medicamento é outro. Nós, atletas, somos exemplos, somos espelhos. As crianças se espelham na gente. Sou contra a utilização como droga. Em 2003 aconteceu, eu usei, sou um ser humano. Mas, se você perguntar pra mim, hoje, serei contra a droga. Como item medicinal eu sou completamente a favor.”

Giba, 36 anos, jogador de vôlei três vezes medalhista olímpico

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Droga versátil

“Qualquer remédio vendido na farmácia – até uma aspirina – pode envenenar, dependendo da dose e da sensibilidade da pessoa. O mesmo vale para a maconha. A maconha combate náusea e vômitos provocados pela quimioterapia em pacientes com câncer; reduz as dores e os espasmos musculares em pessoas que sofrem de esclerose muscular múltipla (doença degenerativa do sistema nervoso), desperta o apetite, proporcionando ganho de peso e melhora do estado nutricional em pacientes com câncer ou aids; diminui o glaucoma (doença causada pelo aumento da pressão intraocular que provoca lesões no nervo óptico e, com isso, compromete a visão) e ajuda no combate às convulsões em pacientes com epilepsia.”

Elisaldo Carlini, 83 anos, professor titular de psicofarmacologia da Unifesp, fundador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e membro do comitê de peritos da Organização Mundial da Saúde sobre álcool e drogas Droga versátil

Jogo jogado

Piervi Fonseca/AGIF/AFP

Sebastián Eguren

Sebastián Eguren

“Cientificamente, a maconha medicinal é uma ajuda e não se pode ir contra isso. Mas eu não acho bom qualquer coisa que altere seu jeito de ser, seja álcool, maconha, cocaína. Acho que as pessoas têm de buscar algo dentro de si e acredito muito no esporte. Nele aprendi disciplina, amor- próprio, a lutar contra coisas difíceis. Concordo com a legalização da maconha, mas como maneira de eliminar o narcotráfico. Meu país, nos últimos anos, teve um aumento da criminalidade e acho que isso teve ligação com o comércio ilegal de maconha. Não gosto de hipocrisia. Se na praia tem gente fumando maconha, se na rua tem gente fumando maconha, se moralmente ela é legalizada, como seu uso ainda é crime? Devemos jogar o jogo com as cartas que estão na mesa.”

Sebastián Eguren, 33 anos, uruguaio e jogador do Palmeiras. Ele não fuma maconha, mas apoia a legalização ocorrida em seu país

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Uso regulado

“A máxima do Paracelso (pseudônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim) diz que veneno depende da dose, mas a maconha, curiosamente, é uma das poucas coisas de que não se pode dizer isso. Ela nunca é veneno, do ponto de vista literal. Nunca houve uma overdose de maconha na história. Acho que é a única droga psicoativa do mundo que nunca matou ninguém só pela sua toxidade. Então, chamar de veneno seria algo subjetivo. Remédio, é indiscutível que ela é, e um dos mais versáteis do mundo. A primeira vez em que ela é mencionada na literatura é em um compêndio medicinal chinês: 4 mil anos atrás, era usada como fármaco, calmante e analgésico. Muita gente ainda tem dificuldade de entender a maconha como remédio porque ela é muito ampla, serve pra muitas coisas – e a gente não se acostuma a ler um remédio dessa forma. Agora, é tão venenosa quanto qualquer coisa que o ser humano use de maneira tóxica”.

Bruno Torturra, 35 anos, jornalista, foi diretor de redação da Trip, foi ativista da Mídia Ninja e hoje atua em uma nova plataforma de jornalismo, o Fluxo

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Vitor Salerno Bruno

Lucio Maia

Lucio Maia

Cabeça feita

“Desde a adolescência tenho fortes crises de enxaqueca e o veredito dos médicos era que não havia nenhuma formade tratamento realmente eficaz. Tentei diferentes tratamentos, alguns medicamentos até ajudaram por um tempo, mas quando parava de tomar os remédios as dores de cabeça voltavam até mais fortes, de modo que precisava ir a uma emergência de hospital tomar medicação injetável. Aos 20 comecei a fumar maconha. Após um ano eu percebi que não havia tido nenhuma crise – se tive, tinha sido muito fraca em relação às crises anteriores. Passei a procurar artigos médicos sobre o assunto e de fato a maconha pode realmente diminuir os sintomas da enxaqueca. Continuo usando até hoje, 20 anos depois.”

Lucio Maia, 43 anos, guitarrista das bandas Nação Zumbi e Zulumbi

Orgânicos para todos

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Calé/Editora Trip

Marcos Palmeira, 50 anos, ator e produtor de alimentos orgânicos

Primeiro precisamos entender o que chamamos de mais barato. Não estamos mensurando o gasto com remédios nem a destruição da natureza. Esse valor precisa ser revisto, mas acredito que, quando os consumidores exigirem a informação de origem do que estão comendo, esse preço tende a ficar mais justo. Ele jamais será igual ao de um alimento convencional industrializado, produzido por alguém que é explorado por quem vende.

comida orgânica será mais barata com a cobrança do consumidor pelo aumento da oferta. Ainda perdemos produtos no campo. O mais importante é entendermos o real valor do alimento. O que está embutido nesse ‘mais barato’ dos alimentos convencionais? Na produção orgânica, ganha quem produz e quem consome. Sem atravessadores.”

Andrés/Editora Trip

Pedro Paulo Diniz43 anos, ex-piloto de Fórmula 1 e produtor orgânico

Existem duas maneiras de abordar este problema: a primeira é com uma perspectiva a longo prazo. Para uma pessoa que come mal, vai custar muito mais se cuidar no futuro que economizar no presente comprando comida barata! A curto prazo, existem formas bem criativas de se alimentar bem e dou aqui alguns exemplos:

• Trocar alimentos muito industrializados por alimentos integrais e orgânicos. Eles saciam mais e trazem benefícios mesmo em menor quantidade, como arroz integral.

• Participar de algum grupo de compra direto do produtor.

• Comer mais em casa, o que acaba sendo mais barato e muito mais saudável.

Acredito que, com o aumento da demanda dos consumidores, os produtores de alimentos orgânicos vão se fortalecer e se desenvolver para ter cada vez mais tecnologia. Como consequência, poderão colher orgânicos mais acessíveis. Temos categorias que estão bem desenvolvidas no Brasil como, por exemplo, hortaliças, com preços bem próximos da produção convencional. Nossos iogurtes orgânicos (a marca é Fruto do Sol) já são mais baratos que os de algumas marcas convencionais.”

Simone Marinho/AG

Bela Gil

Bela Gil, 26 anos, nutricionista e apresentadora do programa Bela cozinha, no GNT

“Comer bem não é necessariamente mais caro, se a pessoa se dedicar a preparar os alimentos. Porque o preço barato que pagamos no fast-food se deve justamente à rapidez e ao ultraprocessamento no seu preparo. A base dos alimentos rápidos e industrializados está em produtos subsidiados, como trigo, milho, soja, leite e carne.

Para isso mudar, um incentivo do governo seria necessário. Infelizmente isso não ocorre com frequência, até porque uma sociedade saudável não traz dinheiro a nenhum setor. O ideal por enquanto é comprar diretamente do produtor, porque a maioria dos supermercados cobra de 100% a 300% sobre o valor de compra.”

Letícia Moreira/Folha Press

Neka Menna Barreto

Neka Menna Barreto, 52 anos, chef, banqueteira e nutricionista

“Caro é poluir rio, envenenar lençóis freáticos, machucar a terra, matar abelha, mudar o ritmo da flora e da fauna. Isso é muito caro. As leis no Brasil ainda aceitam muita coisa que já é proibida em outros países. Não existe uma lei que controle o sitiante que enfraquece sua terra com agrotóxicos. A comida que nasce dessa terra parece que é, mas não é. Um morango não é um morango 100% morango. Se pensarmos com amplitude, olhando toda a cadeia do alimento até chegar na nossa mesa, é muito mais caro o alimento não orgânico. O preço vai para a saúde. Aí você vai comprar um remédio, quanto custa? E um médico? Orgânicos são um pouco mais caros, mas quem os consome gasta menos com médico. Nunca foi tão fácil comprá-los. E a solução para barateá-lo é justamente aumentar a demanda e a oferta. É importante popularizar o orgânico e, claro, informar o quanto ele traz benefícios em uma escala maior que sua própria cozinha.”

Você ingere 5,2 litros de veneno por ano

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Ilana Bessler

Pesquisa da Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária),  com amostras de todo o país, apontou os cinco produtos com maior quantidade de agrotóxicos: pimentão, morango, pepino, cenoura e alface

Pesquisa da Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária), com amostras de todo o país, apontou os cinco produtos com maior quantidade de agrotóxicos: pimentão, morango, pepino, cenoura e alface

Esse número é equivalente ao volume de agrotóxicos por habitante jogado nas lavouras brasileiras a cada ano. Dados como esse nos tornam o país campeão em contaminação da comida. Dá pra engolir?

Em uma conversa com o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, em 2011, o documentarista Silvio Tendler ouviu que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Diante da informação, o diretor se debruçou sobre o tema e lançou O veneno está na mesa, documentário de 50 minutos, disponível na internet, que conta como os brasileiros estão se intoxicando e morrendo por causa de um inimigo praticamente invisível.

Um brasileiro chega a ingerir, em média, 5,2 litros de agrotóxicos por ano. No filme, o próprio 
Galeano alerta: “Esses venenos estão sendo permitidos em países de governo progressista em nome da produtividade. Mas o que acontece com a terra, com a gente?”.

Três anos depois, Tendler está lançando O veneno está na mesa 2, em que mostra mais de perto o cotidiano de agricultores que lutam para cultivar alimentos saudáveis, que não agridam meio ambiente e seres humanos, como tem acontecido nas lavouras país afora. “Não tem sentido você construir uma economia baseada na destruição da natureza. Isso não é economia, é catástrofe. Ao criar um modelo econômico perverso, não é o país que a gente está construindo, é a barbárie”, diz o diretor, que acredita que a agroecologia é a saída.

Lançado em parceria com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o documentário será distribuído gratuitamente em um circuito alternativo que envolve escolas, comunidades e assentamentos de trabalhadores rurais. O atual relatório da Anvisa traz o resultado de 3.293 amostras de 13 alimentos, incluindo arroz, feijão, tomate e os cinco vegetais que estampam esta página. Segundo a agência, a pesquisa anual vem permitindo que medidas corretivas sejam tomadas pelos órgãos locais: em 2012, 36% das amostras puderam ser rastreadas até o produtor e 50% até o distribuidor do alimento.

Vai lá O site da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida é www.contraosagrotoxicos.org. Mais detalhes sobre a pesquisa da Anvisa: http://goo.gl/fMrWkd

Assista abaixo aos docs:

É tudo verdade

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Poucas vidas parecem tão excitantes quanto a da fotógrafa americana Autumn Sonnichsen, que passa seus dias entre diferentes cidades do mundo clicando, entre outras coisas, mulheres apaixonantes. À sua maneira, absolutamente única, Autumn transforma coisas simples e situações prosaicas em pequenos deleites altamente excitantes. Segue o cardápio da semana...

São Paulo. Sábado. 12:43. Vou contar uma anedota relacionada a esta imagem (à dir., acima). Faz dois meses, estava na minha bike a caminho da Trip para fazer uma reunião com a produção da revista, o KL Jay e a filha dele, Kamila. E daí, fui atropelada por um ônibus. Tive sorte porque o meu amigo Luiz, médico e super-herói, chegou a pé mais rápido do que a ambulância e me resgatou. Dois dias depois, eu estava com o braço engessado com a Kamila nua na minha frente. Tudo isso para contar que agora eu sou obrigada a fazer fisioterapia. E essa moça de olhar doce é a doutora que está consertando meu braço. Aqui ela está no heliponto do prédio do consultório dela. Ela tem dedos mágicos, conhece o corpo humano por dentro e por fora.

18:46. Esta é a Erica, videomaker e a minha musa mais eterna de todas. A primeira e de sempre. André também, o sujeito feliz com os queijos ao lado dela, marido da musa. Ele foi o meu primeiro amigo no Brasil, quando cheguei aqui, mais de oito anos atrás. É o meu parceiro de rolê nos bailes funk, nos terreiros de candomblé e nos morros do Rio de Janeiro. Nós três, junto com a Bianca, que estava fazendo mudança, formamos o grupo mais foda de todos: o Lucky Bastards Inc. Temos todos uma tatuagem da firma no antebraço, na veia (menos a Bianca, que nunca pode ser igual a todos e mandou colocar a dela no peito, no coração).

Voltei para São Paulo há dois dias, com a mala cheia de queijos fortes, linguiças de fígado, geleias de framboesa e chocolates apimentados. Tem mulheres que compram sapatos, eu compro apetrechos para piquenique. Comprei tudo às pressas, antes de sair pro aeroporto, na loja que vende essas paradas todas embaixo da minha casa em Berlim. Outros detalhes da foto que me deixam absurdamente feliz: o design puro do copo americano, os talheres que minha mãe me deu de presente, a manta que comprei no Cairo dez anos atrás, o céu com nuvens que não chovem, a laje do meu predinho em São Paulo, o sorriso da Erica quando toma espumante, morangos marinados em Grand Marnier, e as luzes da minha cidade escolhida.

20:45. A gente chamou o Gonzo e a nova namorada dele, Marie, para comer na laje, mas, como sempre, eles estavam fazendo sacanagem e chegaram duas horas atrasados. Apesar do frio, a Marie chegou de vestidinho com a tatuagem nova à mostra, essa da moça amarrada, ainda no Magipak. Não tem coisa melhor do que uma moça feliz com a tinta nova no corpo.

Domingo. 13:00. A alegria dos meus domingos paulistanos: correr no Minhocão. Mar de prédios, mar de amor.

14:25. Da janela do táxi, vejo as cores em São Paulo que mais amo. O taxista para no farol, eu tiro uma foto e seguimos.

21:47. Luiza e Talitinha. Fui madrinha de casamento dessas duas, uma honra da qual eu me orgulho muito. Talita é a magnata de bicicletas da zona leste paulistana e Luiza é a dona dos peitos mais bonitos da cidade. Foram me fazer uma visita lá em casa, se deitaram na minha cama e acabaram com o restante de queijos da minha geladeira.

Segunda-feira. 16:15. Senhor Hirama. Um homem doente pelo São Paulo Futebol Clube, diretor de arte das coisas mais finas, e dono do coração de uma moça linda que já se fantasiou de faxineira francesa no ensaio da Nathalia Rodrigues que o Bob Wolfenson fotografou tão lindamente para a Playboy. Apesar de eu gostar muito da companhia dele, ele sempre me leva pra tomar café nuns lugares muito coxinhas.

Terça-feira de fantasia. Na real, passei o dia no avião. A Mari, esta linda, era pra chegar na minha casa antes de eu ir embora pra tomar um chá comigo, me contar as novidades e fazer ioga. Mas, para a minha infelicidade, ela ficou doente após dar um workshop de pole dance o fim de semana inteiro, e ficou na cama debaixo das cobertas mandando selfies para mim. Ela não vai gostar se eu exibir as fotos de celular que ela mandou, então mostro o último retrato dela que eu fiz no mês passado, assim vocês entendem o quanto ela é foda, e o quanto eu me empolgo com a presença dela na minha vida.

Casablanca. Quarta-feira. 20:00. Depois de 10 horas de voo, na fila entediante do controle de segurança, vejo uma moça atrás de mim com uma cintura finíssima, ombros fortes, e cabelos até o bumbum. A mala dela quebra, e eu tenho Silver Tape na minha mala de equipamentos e com isso eu salvo o dia dela. Descubro que a moça se chama Cris, é espanhola, não visita a família há três anos, faz massagem ayurvédica e dá aula de ioga. A irmã dela mora em Casablanca, e elas me dão uma carona até a cidade. No banco de trás está uma amiga delas com uma boca carnuda, uma artista plástica madrilenha que me mostra no celular os trabalhos lindos dela feitos em aquarela.

21:35. Meu amigo Munir, um cineasta que, por sorte, está na cidade ao mesmo tempo que eu para filmar um comercial de um chocolate marroquino, me leva para jantar e diz que estou proibida de fotografar naquele restaurante, frequentado por homens de negócios e suas amantes. Alguém iria brigar comigo se eu saísse tirando fotos por ali. É um dos lugares que mais me espantaram na vida. As mulheres todas novinhas com maquiagem pesada nos olhos de amêndoas, todas com salto alto e andando torto, dançando música pop do Egito com movimentos sinistros. Os homens todos enormes e barrigudos, fumando um cigarro atrás do outro, tomando vinho branco e falando alto. Parece uma cena de filme. Tiro uma foto do Munir, que está no seu 18º telefonema da noite. Todas as pessoas que eu conheço falam mal de Casablanca, mas falam mal do mesmo jeito que falam mal de São Paulo, e eu amo São Paulo mais do que tudo, então me sinto bem na cidade. Tudo parece cenário de filme, com um ar decadente, meio art déco.

Quinta-feira. 2:10. Pegamos um daqueles táxis vermelhos que parecem caixas de fósforos de volta para o apartamento. Eu e Albrecht, diretor de fotografia, ficamos no banco de trás, filmando o que passa pelo filtro do para-brisa sujo, amando a luz nebulosa. O delírio da terceira gin tônica. As palmeiras, as luzes de madrugada.

8:00. Acordo cedo, quero dar um rolê. Acho uma feira de comidas perto do apartamento. Tem cheiro de algo podre misturado com hortelã. Há montanhas de folhas de hortelã frescas no chão, espalhadas nas mesas, enchendo as cestas. Compro 1 quilo de cerejas, uns pães que parecem feitos de fubá, e um doce que não sei o nome. Tomo um chá em pé, servido por uma moça com sorriso tímido.

13:00. Encontro a Cris por acaso no aeroporto de novo. Nossos voos saíam quase no mesmo horário, o meu para Paris e o dela para Madri. Antes de embarcar, ela toma uma taça de vinho rosé marroquino comigo e fica parada para eu fotografá-la.

Paris. Quinta-feira. 19:25. Aquelas coisas que deixam o mundo todo num high eterno na capital francesa: os tetos de Paris, o piquenique às margens do rio Sena, os escargots com champanhe, o táxi com teto solar num dia de céu azul, o suco de grapefruit no Café de Flore e as promessas de amor em forma de cadeados que enfeitam a Pont de l’Archevêché.

Sexta-Feira. 15:30. Tenho como filosofia que tudo na vida dá pra fazer melhor se for com a desculpa de tirar fotos. Tenho também outra filosofia, de que tudo neste mundo é melhor se for feito de barco. Então surge o ensaio com a Kim, uma modelo inglesa-brasileira que gosto muito, com o barco de madeira veneziana, a garrafa de Chandon, as mexericas minúsculas e o dia ensolarado.

Berlim. Sábado. 8:35. Volto para Berlim, a minha segunda casa. A novidade que me deixa mais feliz nos últimos tempos: meu irmão está morando comigo! Ver ele dormindo no sofá com o Iggy, o cachorro de uma amiga que está viajando de férias, me dá uma empolgação absurda. Minha família está comigo no mundo!


“O que me impressiona é o fato de que em nossa sociedade a arte tenha se tornado algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida. Que a arte seja algo especializado, feita pelos especialistas, que são os artistas. Mas a vida de todos não poderia se tornar uma obra de arte? Por que um abajur ou uma casa pode ser arte, mas a nossa vida não?” Michel Foucault

Sexo livre

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Arquivo Pessoal

Foto de uma das moradoras de Tamera

Foto de uma das moradoras de Tamera

Há 36 anos, o psicanalista Dieter Duhm e a teóloga Sabine Lichtenfels vivem juntos, mas livres para transar com outros parceiros. Em 1978, o casal alemão fundou a comunidade Tamera, hoje sediada no Alentejo, em Portugal, onde vivem 160 pessoas adeptas do sexo livre. Os dois falaram da experiência à Trip

DIETER

Como a ideia de sexualidade livre é posta em prática em Tamera?

Dieter. Todas as pessoas na nossa comunidade, incluindo os casais estabelecidos, praticam o sexo livre. Eu pratiquei por toda a minha vida. Cedo reconheci que se não o fizesse teria de mentir, pois me sinto atraído por várias mulheres. Sempre disse isso às minhas parceiras. A maioria das pessoas está grata pela possibilidade de novos contatos sexuais. Mesmo os casados têm a possibilidade de ir para a cama com novos parceiros e falar disso sob a proteção do grupo. Este é um princípio fundamental: tornar transparentes as coisas mais importantes – sexo, dinheiro, autoridade etc.

Que dificuldades os novatos enfrentam? A maioria das pessoas deseja uma verdadeira parceria e acredita

Arquivo Pessoal

O casal Sabine e Dieter em 1983 (ela à dir. da foto)

O casal Sabine e Dieter em 1983 (ela à dir. da foto)

que ela estaria associada à monogamia, e que a monogamia seria sinal de fidelidade. Não é verdade. Apenas podemos ser fiéis se nos for permitido amar outros também. Amor genuíno não se desintegra por causa de “escapadelas”, que fazem parte da natureza humana. Sexualidade livre e parceria complementam-se. Quanto mais cresce a confiança entre seres humanos, menos espaço há para o ciúme e o medo da separação.

Homens e mulheres reagem de forma diferente ao sexo livre? Geralmente os homens se sentem atraídos a dar o primeiro passo, mas temem que isso seja desafiante para suas parceiras. Mas depois também as mulheres ousam esse passo – e com tanta alegria que se torna desafiante para os parceiros. Não é a mulher, mas o homem que tende a ficar ciumento quando as velhas barreiras desmoronam. Não se trata de poligamia arbitrária, mas de um acordo mútuo sobre a base da confiança.

Como foi sua experiência pessoal? Ao longo de 36 anos, vivi e trabalhei com minha parceira Sabine Lichtenfels. Por duas vezes, ela amou outros homens. Não senti ciúme, porque também gostava desses dois homens. Sabine é uma mulher lindíssima e atraente. Seria insano ela “pertencer” a mim. Mas somos completamente fiéis um ao outro, e ficaremos juntos agora e para todo o sempre. Não é a exclusão sexual de outros que nos conduz a uma parceria duradoura, mas a verdade, a confiança, a compaixão e a solidariedade.

Uma proposta dessas pode dar certo numa cidade grande? Sim, mas é difícil. Uma metrópole envia tantos sinais insanos que o contato genuíno de pessoas verdadeiras acontece raramente. A desconfiança foi gravada nas relações humanas. A mentira e a traição tornaram-se condições de sobrevivência na civilização atual. Todos fomos forçados a mentir – no casamento, na profissão, na vida pública. Se queremos estabelecer confiança, precisamos virar do avesso todas as nossas estruturas sociais – e isso estende-se aos nossos casamentos. É a isso que chamamos de revolução.


"A desconfiança foi gravada nas relações humanas. A mentira e a traição tornaram-se condições de sobrevivência na civilização atual", Dieter Duhm


SABINE

Qual é a proporção de adeptos da monogamia e do poliamor em Tamera?

Sabine. Existem todos os tipos de relacionamento. Frequentemente os casais escolhem a monogamia por um tempo, começando depois a abrir-se para outros. Muitos descobrem que na realidade não buscavam um parceiro, querem viver em poliamor. Após alguns anos a maioria das pessoas se decide por uma parceria profunda.

Arquivo Pessoal

O casal Sabine e Dieter em 2003

O casal Sabine e Dieter em 2003

Como foi sua experiência pessoal? Eu vivi numa relação aberta com Dieter por mais de 30 anos. Ambos gostamos das aventuras com outros. É maravilhoso voltar depois para casa e poder partilhar abertamente as experiências que tivemos. Isso torna a parceria mais profunda, caso não se encontre ligada com o medo da perda. A experiência tornou o nosso Eros mais rico e mais profundo. Muitas pessoas desejam esse tipo de parceria e aqui trabalhamos para torná-la possível.

Quais são as vantagens do amor livre? O Eros é anarquista na sua essência. Nenhum ser humano pode ser possuído. É devido ao nosso profundo medo da perda que queremos possuir um ser humano, mas isso não corresponde à natureza do amor e só contribui para sua destruição. O Eros necessita mover-se livremente para revelar sua essência. Se a água é bloqueada, irá provocar devastação e destruição. Mais pessoas morrem por problemas não resolvidos no amor do que em acidentes de automóvel. O abuso sexual, a violência doméstica, a mentira e a traição são consequências de um sistema de amor que não corresponde à natureza humana.

Já sentiu ciúmes de Dieter? Descobri o ciúme em mim, que acreditava já ter ultrapassado, mas não chantageei o meu parceiro com isso. Concentramo-nos juntos na questão da cura e em restabelecer a confiança. Este é um longo caminho, que nunca terminará. Todos temos nossas feridas históricas, nossos traumas.

Uma proposta de amor livre pode dar certo numa cidade grande? É uma pergunta delicada. Conheço cada vez mais casais que querem isso e certamente é possível, mas o caminho não é fácil. No movimento de 68, muitos transportavam a sexualidade livre nas suas bandeiras, sem saber como poderia funcionar. Sublinho que não se trata de aventuras rápidas, mas de construir estruturas sociais novas, onde o amor possa ser vivido sem medo. Se um casal quer abrir-se à sexualidade livre, aconselho que o faça sob acordo mútuo. Os homens têm “escapadelas” com a justificativa de que “minha mulher não compreenderia”. A consequência é o ódio e a separação. A nossa sociedade foi estabelecida de forma que impossibilita a verdade no amor. Somos todos forçados a desempenhar papéis. Creio que a comunidade é o molde que torna o caminho viável.

Vai lá: Leia o artigo de Dieter Duhm sobre amor livre: www.tamera.org/pt/pensamentos-basilares/o-que-e-amor-livre

Cadê o tesão?

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Mark Jenkins

Trabalho do artista americano Mark Jenkins, no Rio de Janeiro

Trabalho do artista americano Mark Jenkins, no Rio de Janeiro

 chegado o momento de acrescentarmos ao tempo e ao espaço mais uma dimensão fundamental à vida no Universo: o tesão. Fritz Perls, que era alemão e escrevia também em inglês, deu a essa dimensão o nome de awareness. Palavra de tradução difícil para o português e, à falta de outra melhor, escolheu-se conscientização. Mas, para compreender o que Fritz queria designar por awareness, é preciso utilizar vários outros conceitos, além do estado de aptidão mental responsável: o estar física e emocionalmente em prontidão, alerta, atento, disponível, sintonizado, sensibilizado, sensorializado, sensualizado a todos os estímulos internos e externos da vida cotidiana. Coisas que quase significam tesão no português falado no Brasil. Mas apenas quase, porque tesão é mais que isso.”

O trecho acima abre o primeiro capítulo de Sem tesão não há solução, livro que o psiquiatra Roberto Freire (1927-2008) lançou em 1987 e foi um dos maiores sucessos do mercado literário de então. Naquele ano, a palavra tesão era usada por poucos, uma gíria que não caía bem entre senhoras e senhores de respeito. Questões semânticas à parte, podemos dizer que, 30 anos depois, seguimos na mesma busca detectada por Freire: a busca por mais entusiasmo, motivação e prazer na vida. Por mais paixão.

Num dos momentos mais tensos, confusos e brochantes dos últimos tempos no Brasil, a pergunta que permeia esta edição – e principalmente as páginas deste caderno especial – é: Cadê o tesão? Onde encontrar válvulas de escape que tornem o cotidiano mais leve, criativo, gostoso, empolgante? Como encontrar o que dá liga e sentido à vida? O que, afinal, te dá tesão? A seguir, algumas tentativas de respostas.

O que te dá tesão na vida?

Christian Gaul/Acervo Trip

 

“Talvez seja surpreendente eu falar isso, mas excitação não tem muito a ver comigo. As pessoas fazem uma imagem errada de mim: eu sou muito do sossego. Tenho horror a adrenalina, eu gosto de segurança. Eu gosto do quentinho, das quatro paredes, da cama arrumada. E gosto de ritual. Adoro quando a gente organiza nossas ‘festinhas no céu’. A gente escolhe uma música, abre um vinho, acende uma vela, toma um banho, eu falo ‘você quer banho do quê? Temos de rosa e temos de verbena’. Isso eu adoro – mas tem menos de excitação e mais de ritual. Alguma coisa que me pilhe não necessariamente é boa pra mim. Respiração curta me aflige demais. Mas, se eu tiver que pensar sobre o que é minha grande droga, minha cocaína, eu diria joia. Eu amo joia! Joia cara, joia de Hollywood. Eu vejo aquilo e derreto, mexe comigo... Em relação a sexo, eu não tenho essa coisa quente de surpresa, lugares. Tenho horror a isso, à possibilidade de alguém me ver de quatro, pelada, transando. Quero ter certeza de que eu estou na minha intimidade, de que estou segura, de que sei onde estou, de que meu filho não vai abrir a porta e de que ninguém está me ouvindo.”

Luana Piovani37 anos, é atriz e acaba de atuar no longa Réveillon, de Fábio Mendonça

“Viajar para conhecer novos horizontes. Conhecer outros sons que ativam outros lugares do cérebro, sabores desconhecidos e as deliciosas camas de hotel. Fazer amor pela manhã e cochilar mais um bocadinho antes de uma orgia gastronômica no brunch, seguido de outro cochilo. Viajar é o tesão do amor pelo mundo! Recentemente me apaixonei pela dor muscular causada pela atividade física exaustiva do kickboxing, do muai thay e do pilates com peso. São dores opostas àquelas que o sedentarismo provoca. Em vez de mal-estar, dá o maior tesão. Principalmente depois do banho, quando a gente se olha no espelho e percebe o corpo rejuvenescendo a cada dia. Endorfina é o tesão do amor próprio!”

Thalma de Freitas, 39 anos, é atriz e cantora

Qual a luta mais excitante da sua história?

“Desde 1978, meu caminho foi marcado por centenas de lutas contra representantes de todos os estilos de artes marciais. Mas a luta contra o campeão de kickboxing Ralph Alegria, no começo dos anos 80, teve um significado especial: foi o primeiro vale-tudo transmitido ao vivo pela televisão americana. Ele havia passado muita vaselina no corpo para que eu não conseguisse agarrá-lo, mas, quando eu o derrubei, já caí montado. Dei-lhe dois socos, que o fizeram virar de costas. Mesmo com aquela vaselina toda, não houve como impedir o mata-leão. A luta durou 2 minutos.”

Rorion Gracie, 62 anos, é lutador de jiu-jítsu e filho mais velho de Hélio Gracie. Criou o UFC (Ultimate Fighting Championship) em 1993. É dono da Academia Gracie, na Califórnia

Arquivo pessoal/Rorion Gracie

 


Surfar é um tesão

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Elas estão surfando mais e melhor – mas, diferentemente do que costumava acontecer, perderam o medo de ser julgadas pela beleza. Aqui, oito nomes da nova geração de mulheres que encantam não só pela performance, mas por assumir a feminilidade. E deixam os marmanjos de boca aberta

Não é de hoje que as mulheres surfam. Engana-se quem pensa que os line-ups mundo afora eram, até pouco tempo, um domínio exclusivo do sexo masculino. Muito pelo contrário, a primeira surfista brasileira, por exemplo, foi a santista Margot Rittscher – que há quase 80 anos, lá em 1936, já descia ondas no litoral paulista ao lado de seu irmão mais novo, Thomas. Desde então, meninas e mulheres têm remado para o outside e se deliciado com o “esporte dos Deuses”.

No cenário competitivo, entretanto, a história é diferente. O ambiente de disputa e bravata não combinava com a leveza e alegria que sempre caracterizou o surf feminino. Por isso mesmo, aquelas que escolheram o caminho da competição tiveram que quebrar barreiras comportamentais. Suprimiram aquilo que as diferenciava dos homens – sensibilidade, camaradagem e feminilidade – para mostrar que também podiam fazer bonito na arena profissional. O surf feminino parecia querer provar seu valor emulando os homens – dentro e fora d’água.

Alguns anos atrás, porém, algo mudou nesse cenário. As meninas parecem ter encontrado, de uma maneira própria, seu espaço. Um sinal disso está nestas páginas: a seguir, oito mulheres que não só estão entre as melhores surfistas do mundo como atiçam a imaginação dos marmanjos, além de inspirarem uma legião de meninas com uma excitante mistura de sensualidade, simpatia e habilidade.


Onde menos se espera

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Caio Palazzo

Orgasmo em cima da bicicleta? Sim, isso virou piada interna em grupo noturno de bikers de São Paulo. Como toda brincadeira tem um fundo de verdade, fomos averiguar o que rola...

Tudo começou com um texto circulando on-line entre cicilistas, postado originalmente na página do grupo Bike N’ Beer no Facebook. Escrito pela dona de casa Roberta Nogueira, 46 anos, integrante do BNB, o artigo citava um estudo da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, sobre orgasmo feminino durante a prática de exercícios que envolvem a região do core (abdominal), o chamado “coregasm”. O texto provocava mulheres pudicas, fazia trocadilhos infames e falava tanto de endorfina quanto de tesão – e a relação disso com pisos irregulares.

Existe uma diferença entre o estudo americano (feito com spinning) e pedalar ao ar livre: o atrito com o

Caio Palazzo

chão, que faz com que a bike vibre. Nesses momentos, o selim da bike deixa de ser um carrasco (provocando as inevitáveis dores no dia seguinte) e se transforma num instrumento de prazer. “Tem uma rua de paralelepípedos na Mooca, em São Paulo, que dá o maior tremelique. Uma vez brinquei com a mulherada dizendo ‘vamos mudar de posição que este é o maior vibrador da Terra’”, se diverte Roberta. Ela conta que, quando há esse tipo de rua no roteiro, o grupo inteiro levanta os braços e grita “paralelepííííííípedo”. “Virou piada. Agora eu levanto a bunda do selim e passo pelo grupo falando: ‘Não tô fazendo nada, não tô fazendo nada’”, conta, rindo.

A maior parte dos integrantes do BNB é homem, e eles sabem dessa história. “É engraçado estar rodeada de caras...quando começo a embalar, já penso se alguém está me olhando”, diz Karin Coltro, 37 anos, servidora pública federal. No grupo há um ano, ela teve sua experiência mais forte de orgasmo na bike na Estrada da Manutenção, a caminho de Santos, no litoral paulista. “Foi totalmente inesperado. O trecho trepidava muito e, no que fui me ajeitando para que o banco não incomodasse, encontrei uma posição e rolou. Mas não tem espaço pra fantasia, só é sexual porque é orgasmo. É do tipo ‘uau, de onde vem isso?’.”

O test drive da repórter

Para esta reportagem, me propus a fazer o teste do coregasm. No percurso do qual participei, a turma do BNB carinhosamente incluiu uma rua trepidante – mas, infelizmente, nada aconteceu comigo. Em minha defesa, digo que era uma rua muito curta (não tinha nem 500 metros!). E, pôxa, era a minha primeira vez. Mas já combinamos um próximo pedal trepidante, desta vez na tal rua de paralelepípedos no bairro da Mooca, que é bem longa e, não por acaso, foi apelidada de Moooooooca.  

Vai lá: Bike n’Beer www.facebook.com/bikenbeer

O que faz seu corpo vibrar?

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Camila Fudissaku

O que excita homens e mulheres, do ponto de vista sexual? Há muita diferença nos processos de cada um? Dois psicanalistas refletem sobre a questão e indicam que, embora certos estereótipos resistam, há novas maneiras de lidar com o tesão

478 mecanismos

No meu livro há um capítulo inteiro para descrever como homens e mulheres se sentem debaixo da pele quando ficam com tesão. Em geral a reação dos homens e das mulheres a esse trecho é de estranheza e espanto. A maioria acha que há algumas diferenças e muitas semelhanças entre os dois – e que as diferenças são simétricas (onde há em um uma protuberância, em outro há um orifício). Mas não são simétricos nem complementares: na verdade, vivemos um delicioso (e às vezes doloroso) mal-entendido na cama.

Homens se excitam sobretudo de três maneiras: uma excitação mais autônoma, a partir de gatilhos internos (acúmulo de testosterona, esperma etc.); outra sensorial, principalmente pela visão de algo excitante, em geral partes do corpo; e finalmente a terceira, pela preferência sexual concreta – por exemplo, ao vislumbrar uma atividade sexual de sua preferência (sexo oral, anal, etc), daí muitos de filmes pornográficos que as mulheres acham malfeitos e antiestéticos.

Mulheres têm também todos esses mecanismos de excitação. Mas elas se excitam não por três mecanismos principais, mas por 478! Tudo é mais plástico, variado e depende do dia, hora, contexto, parceiro e do estado de ânimo dela mesma. Muito da excitação pode depender do desejo e da volúpia do parceiro, ou da estética do cenário (uma viagem em uma linda praia, ela de biquíni, o vento, um drink e um homem bonito, cheiroso e gentil) ou do modo como são tratadas (em geral, preferem algo mais atencioso a homens durões). Mulheres também podem se excitar pelas diferentes emoções – gratidão, piedade, admiração e até raiva podem se transmutar em tesão, algo que a maioria dos homens acha esquisitíssimo. E, acima de tudo, elas brocham se o cenário estético-sensual não for atraente (o motel com lençol sujo, o lindo homem falando português errado ou sendo pão-duro).

Há inúmeras diferenças no ritmo, no prazer da sedução, na relação com o próprio corpo e com o corpo do outro. Também é importante lembrar que não é verdade que “homens fazem sexo e mulheres fazem amor”: pode ser o contrário, muitas mulheres em certas ocasiões querem só sexo. Há muita pressão social e questões de ciclos de vida defasados que fazem com que, em certas épocas da vida, a mulher queira mais amor e eles mais sexo. Em outras fases, isso pode se inverter. Enfim, somos diferentes, mas ambos somos capazes de só ter tesão ou de só amar (sem tesão). Ou ainda de amar e sentir tesão ao mesmo tempo.

Luiz Alberto Hanns é psicólogo, psicanalista e pesquisador em psicoterapia comparada. É autor de A equação do casamento – O que pode (ou não) ser mudado na sua relação (editora Paralela)

Estamos em outros tempos

Esta é uma boa e velha discussão. Muita gente diz que o homem é mais visual, precisa ver peito, bunda; que foto de mulher pelada funciona pra homem. E que mulher precisa estar envolta em uma narrativa para se excitar. Precisa de uma historinha, de 50 tons de cinza. Que homem consome pornografia, mulher não. Que mulher precisa de amor e carinho, homem não. Que homem quer ser garanhão e ficar na putaria, a mulher vai querer casar.

Eu diria que deveríamos complexificar essa história.

Temos formações diferentes, somos feitos de essências genéticas diferentes e culturalmente estamos, sim, colocados no lugar onde o homem tem uma posição mais voyeurista e a mulher, uma posição mais de objeto desse olhar. Mas os papéis estão em transformação. É uma dinâmica antiga, essa em que o homem só exerce o papel de macho se a mulher for o sexo frágil, que não deseja, que não comunica excitação. Em que a extrapolação do feminino para o lugar de sedutora confunde o lugar do homem. A pós-revolução industrial e a revolução sexual já foram fazendo um deslocamento desse lugar. A mulher vai trabalhar, sai pra rua e não é só casamento, lar, filhos. Vai entrando no espaço público, conquista mais direitos.

Sobretudo agora, a gente libera os desejos. O homem pode escolher ter uma mulher e rejeitar o papel de garanhão. Talvez a mulher deseje outra coisa além de ser um objeto desejável. As coisas estão mudando de maneira irreversível. Em partes, a mulher ainda precisa da narrativa pra ficar excitada, mesmo essa nova mulher. “50 tons de cinza” é carregado dos estigmas patriarcais, mas mostra uma mulher desejante, que se permite gozar e aprender. (É patético ela ser virgem em pleno século 21, mas ela não deixa de ser uma heroína sexualizada.)

Devagarzinho, mesmo a cultura mainstream já sexualiza a mulher de maneira que não dá mais pra ela ser pura, casta. A princesa contemporânea precisa gozar. Estamos em outros tempos. Uma vida sexual interessante é aquela em que qualquer um pode exercer muitos papéis. O de dominador e o do submisso. É importante transitar com o desejo. O que te dá tesão? Como seu corpo vibra? Estar dentro da sua pele é a melhor forma de descobrir.

Assim como o homem se excita com o peito e a bunda, a mulher também pode gostar de pau, de peito, de perna. Algumas confessam que gostam, a maioria não fala porque ainda é tabu. Complexificar a excitação é a chave. A gente tem raciocínios muito binários. Amor é assim, sexo é assim. Isso é tosco e simplista, não cabe mais no contemporâneo. Romper paradigmas é importante: o da beleza, o da juventude, o de gênero e o do que excita mulher e homem. Se libertar dos raciocínios estereotipados. O mergulho nessa complexidade traz o mais rico do tesão de um indivíduo.

Maria Lucia Homem é psicanalista e professora na Faap e no Núcleo Diversitas-USP. É autora de No limiar do silêncio e da letra – traços da autoria em Clarice Lispector (Boitempo, 2012)

A mesma data, um outro ano. Que país é este?

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Em 17 de junho de 2013 gritos por um Brasil mais justo ecoavam pelo país. Neste ano, na mesma data, no lugar da atmosfera tensa, o que se ouviu foi a torcida do jogo Brasil x México (apesar do zero a zero do placar)Trip convidou um time de colaboradores para registrar esse dia – e para pensar no que há de diferente (ou não) entre aquele país de 2013 e este que acaba de vibrar com o maior campeonato esportivo do planeta

#nãovaiterolimpíada

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Pablo Saborido

Veneza/20h: Enquanto o Brasil discute o placar 0x0  contra o México, o fotógrafo argentino  Pablo Saborido visita o pavilhão  da Bélgica na Bienal de Veneza

Veneza/20h: Enquanto o Brasil discute o placar 0x0 contra o México, o fotógrafo argentino Pablo Saborido visita o pavilhão da Bélgica na Bienal de Veneza

Olha, se existe uma coisa que não muda é que: tudo muda. Ou quando nada acontece, há sempre algo acontecendo — um cabelo que cai, uma unha que cresce. Um ano não é lá muita coisa (se a gente pensar nos 13,7 milhões de anos desde o big bang), mas tudo é novo, sempre, de um jeito ou de outro. As manifestações contra a Olimpíada, por exemplo. Começaram a pipocar aqui e ali. Todo o dinheiro para o futebol, e nada para o vôlei; o atletismo vai mal; desse jeito não vamos evoluir no curling. A tática Yellow Bloc voltou pra valer. E dá-lhe tuite de #imaginanaolimpíada. Dá-lhe #nãovaiterolimpíada (que é coisa de Yellow Bloc também). E mesmo se tiver, não vai ter. Com tudo o que aconteceu no ano passado, nas eleições pra presidente, pra governador, a gente pensa: e agora? Um amigo pergunta: seguimos sendo uma nação que a todo o momento vai do tapume à demolição, infinitamente, sem nunca construir coisa alguma? É isso mesmo? Olha, acho que a gente vai lembrar desse junho de 2015 assim: tudo está disponível, e nada é surpreendente (vou tuitar isso). Um professor da universidade de Newcastle upon Tyne, na Inglaterra, disse outro dia que os assuntos a serem tratados com seriedade não foram esgotados: a atmosfera ferve, as reservas de água secam, a dinâmica política desafia toda e qualquer imaginação para autorizar a catástrofe. Mas os meios para registrar essa tragédia toda, esses sim se esgotaram (vou tuitar). No Facebook (agora conhecido como “O Lodo Azul”), o líder político labuta num comentário sobre o trending topic do dia. A galera do stand-up comedy também. O publicitário, o desenvolvedor de aplicativos. Todo mundo atrás de seguidores (que é coisa do messianismo e da religião). Mas a cada post, a cada uma dessas reiterações, como um eco, as vozes vão ficando fraquinhas, distantes. Porque tudo se equivale, e as indignações se renovam a todo minuto no nosso feed mental (vou tuitar). No quesito festa junina, todavia, a coisa melhorou. No ano passado, todo mundo só queria saber da Copa, e o São João, tadinho, ficou de castigo. Aliás, que saudade da Copa. Dá pra trocar Catar 2022 pelo Brasil de novo? (Vou tuitar.) Até lá, o Itaquerão vai estar pronto e tudo (vou tuitar). No lugar de Holanda e Brasil, vieram esses food trucks na Vila Madalena, e a bola da vez agora é o ovo de codorna – que virou a nova barriga de porco, que já foi o novo limão-siciliano, que costumava ser, num passado remoto, o novo tomate seco. Os livros seguem sendo impressos (ninguém lê). Em breve teremos mais livros do que seres humanos no planeta. Luciano Huck, reforma o meu carro? O Fatboy Slim vem de novo pro Brasil. Continuamos não achando graça quando a piada é com a gente. E o jornalismo não acabou, hein, que coisa (vou tuitar isso).

Emilio Fraiajornalista e escritor, recebeu a missão de imaginar como será o dia 17 de junho do ano que vem.

O simbólico e o imaginário

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Kelvin Cavalcante/Futura Press

Em 2013 a capital cearense questionava a Copa durante as manifestações de junho. Um ano depois a cidade foi o palco do jogo contra o México

Em 2013 a capital cearense questionava a Copa durante as manifestações de junho. Um ano depois a cidade foi o palco do jogo contra o México

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram as duas faces da mesma moeda. Para quem sabe separar uma dimensão da outra, é possível torcer pela seleção e participar de protestos

O futebol é um fenômeno total. Ele mobiliza diversos registros da experiência: o social e o individual, o econômico e as paixões, a estética, a ética, a cognição, entre outros. Um jogo pode ser lido como um texto de teoria (é a sua dimensão tática, alçada a uma sofisticação sem precedentes pela geração PVC-ESPN); pode ser experimentado como aquela forma cheia de sentido, e entretanto intraduzível, que é a de um poema (qualquer lance de beleza); pode ser criticado em seu âmbito organizacional, com as maracutaias das federações, locais e internacionais (não preciso dar nome aos bois); pode ser o estopim das violências mais brutais (brigas entre torcedores, incluindo assassinatos nas cercanias dos estádios).

Justamente, em sua origem o futebol é sublimação da violência, e por isso mesmo está sempre na iminência de retornar à ela, à sua forma crua. O futebol é a versão civilizada de uma disputa. Quando falamos em disputa, rivalidade, entramos no registro que Lacan, o psicanalista, chamou de imaginário: a dimensão mais primitiva do psiquismo humano, feita de identificações, que formam o narcisismo, a autoimagem de um sujeito, que por sua vez é a base do seu eu. As paixões, no futebol, estão ligadas a isto: torcemos por um clube porque nos identificamos com ele, quem briga com o torcedor do time adversário é porque o experimenta como uma ameaça à sua própria identidade (numa lógica semelhante à do monoteísta que não pode tolerar uma crença diferente).

Tudo isso é a dimensão imaginária no futebol. Mas ele mobiliza também a dimensão que o mesmo Lacan chamou de simbólica: as maracutaias institucionais dizem respeito à Lei (que é o simbólico por excelência); cada vez que um jogador simula uma falta, está cometendo uma falta moral etc.

Por essas razões e desrazões é que o futebol une e desune ao mesmo tempo. Une uma torcida, mas excluindo as demais. Une, para os que gostam dele, por sua beleza, por sua guerra sublimada, por sua inteligibilidade; mas desune esses com aqueles que colocam em primeiro lugar suas faltas contra a Lei.

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram, às vésperas do acontecimento hipertotal que é a Copa, as duas faces da mesma moeda, o simbólico e o imaginário. De minha parte, penso o seguinte: o futebol só é alienante, “ópio do povo”, para os que não sabem separar uma dimensão da outra. Para os que sabem, é possível, sem contradição, torcer para a seleção brasileira e participar de protestos; comemorar um gol do Neymar e uma conquista do MTST.

Francisco Bosco é escritor e colunista do jornal O Globo.

Vida, identidade e futebol

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Daniel Kfouri

Meu título acima fala de dimensões básicas do universo humano. Sem identidade não existimos e sem futebol não há — pelo menos no Brasil — o contraste entre amor e dor. Pois é por meio do futebol roubado dos ingleses que, nas Copas do Mundo, nos tornamos torcedores do Brasil e por um momento deixamos de ser ricos ou pobres, velhos ou jovens, paulistas ou cariocas, homens ou mulheres, nordestinos ou sulistas. Tal como ocorre no Carnaval e nos feriados santificados, o futebol põe em foco certas dimensões da vida, eclipsando outras. Desde o dia 12 de junho, então, deixamos de nos preocupar exclusivamente com nossos problemas para nos tornarmos “brasileiros”. Nossa inquietação central agora não é mais a decepção com a política ou a violência. É a “seleção brasileira” que, nos enlaçando, promove uma identidade intensa e exclusiva. Nosso foco não é mais o Brasil a ser consertado, mas um país que é, no momento em que escrevo este artigo, cinco vezes campeão mundial e que transformou o futebol no esporte mais popular do planeta. Na Copa, sua identidade é vista do modo mais agudo: em contraste e em relação com os outros.

Eis que, num mundo globalizado e aparentemente desencantado, o futebol, com suas incertezas, traz de volta todas as crenças e encantamentos. Além da esperança de um extraordinário hexa, ele comove pela ternura de finalmente ouvirmos de nós mesmos uma boa história. Somos virtuosos no futebol mais do que na nossa vida pública; nossos craques são resultado de talento e não da cor da pele ou de aparelhamentos políticos. O futebol é o emblema no qual cabem todas as nossas virtudes e, mesmo na derrota (Deus nos livre!), ele exalta as nossas virtudes. Na vida real, tememos a indiferença. No caso do futebol, somos obrigados, ou melhor, condenados a assistir à Copa! Ficamos hipnotizados. Aqui não há marasmo ou o clássico “eu não sabia”...

Adversários não são inimigos

Os motivos para esse interesse obrigatório são múltiplos. O primeiro é a nossa afinidade com esse esporte inglês, no qual perder e ganhar são duas faces de uma mesma moeda. No futebol não há vencedores ou perdedores absolutos. Nele, o campeão é sempre relativo.

O segundo é a experiência de justiça. Se no mundo real falta talento e abunda a corrupção, no estádio, as regras são claras e valem para todos. Não há como embargar juridicamente uma derrota. No futebol não conta interpretar as regras; o que vale é o jogo. Em outras palavras, Neymar Jr. não pode jogar por decreto, nomeação ou falcatrua. Ele joga porque é craque — é excepcional no campo, diante de adversários que, por sua vez, querem nos vencer, mas não nos destruir ou mandar para o inferno como infelizmente ainda ocorre no campo da política.

O terceiro é que o esporte precisa de adversários, não de inimigos. Adversários são irmãos solidários na disputa; não podem ser destruídos, pois são eles que legitimam o nosso triunfo. Essa conjunção fabrica a identidade atraente e duradoura. Se hoje sou perdedor, amanhã serei vencedor. As camisas são trocadas, mas o coração permanece batendo no mesmo peito.

Guerra sem mortos

Um terceiro ponto é o fato de o futebol ser praticado num espaço removido da vida rotineira. O que acontece no campo, nele fica. Tal foco aumenta o investimento emocional e a identificação porque o campo se divide entre “nós e eles”. Os times têm o seu espaço, seus símbolos e emblemas. Mas a base da nossa identificação são as escolhas realizadas fora da casa e da família. Escolher é básico para a individualidade e para a cidadania, e futebol exige escolher com lealdade. Eu, por exemplo, tive um pai autoritário que, como flamenguista, tinha que aturar minhas gozações quando o Fluminense vencia. No jogo, não éramos pai e filho, mas torcedores (ou cidadãos) de clubes de futebol escolhidos por simpatia individual e não por dever ou nome de família.

Finalmente, a Copa do Mundo ajuda a construir o tempo. Aliás, num sentido preciso, ela torna o tempo — que não pode ser visto, apanhado ou ouvido — algo concreto. De quatro em quatro anos, a Copa nos ajuda a perceber nossa juventude e velhice.

É uma disputa excepcional. Os times transformam-se em países com suas boas ou más lembranças históricas; mas todos jogam debaixo das mesmas regras. Símbolos sagrados vestem as pessoas e o hino obriga a esconder emoções. Africanos jogam contra europeus; e americanos contra asiáticos. Latino-americanos considerados preguiçosos e atrasados vencem países exemplares. Subitamente, compreendemos que todos são humanos. O futebol dissolve preconceitos, ressentimentos e milenares ódios étnicos e religiosos.

Pode haver algo mais sublime do que essa “guerra” sem mortos? Pode haver maior milagre do que assistir ao nosso imenso e diverso Brasil representado por jovens atletas, cuja única marca é o talento e não a corrupção, o sectarismo e a incompetência?

Roberto DaMatta é antropólogo, professor emérito da Universidade de Notre Dame, nos EUA, e professor titular da PUC-Rio.

A alegria é a prova dos nove

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Gilberto Gil suspendeu a agenda de shows para ver de perto os jogos da Copa: sua excursão anual à Europa foi adiada para depois do torneio, quando ele embarca com a mulher, Flora. Entre uma partida e outra, ele fotografou e falou da experiência

MARACANAZO

Comecei a gostar de futebol quando menino, o momento mais marcante nessa época foi a Copa de 50. Eu tinha 8 anos quando o Brasil, depois daquela campanha deslumbrante, perdeu a final para o Uruguai no Maracanã. Eu morava no interior da Bahia e ouvia os jogos pelo rádio com a narração de Ary Barroso. Um ano depois fui morar em Salvador e me tornei frequentador dos estádios e torcedor do Bahia. Eu ia no estádio da Graça e, depois, no Fonte Nova. Chegava a ir três vezes por semana, alternando futebol com cinema.

PROFISSÃO: TORCEDOR

Eu já tinha planejado ver esta Copa faz tempo, tinha decidido que não teria nenhuma ocupação profissional nesse período porque a minha excursão seria a Copa. Então resolvi ir a São Paulo, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Rio para ver os jogos. Eu, Flora, meus filhos Bem e José e meus netos Bento e Francisco, esse é o núcleo básico. Aí vem a namorada de um, o amigo do outro, a turma do Andrucha Waddington, a Nanda [Fernanda Torres]. É divertido.

#NÃOVAITERCOPA

Havia um pessimismo exagerado e um certo equívoco na avaliação do significado do esporte. Apesar de o futebol ter se tornado um grande negócio, de ter ganhado conotações políticas e econômicas muito fortes, não se desatou o laço espiritual. A paixão e a fantasia tinham ficado escondidas pela materialização excessiva da Copa, como se ela fosse apenas uma oportunidade de crescimento econômico. As manifestações de junho do ano passado, exatamente durante o torneio que era a preparação da Copa, deram conotação mais política e econômica ao Mundial. Mas, quando a Copa começou, a bola voltou. É bom que o país se reconcilie com a coisa de que nem só de pão vive um homem. Os avanços materiais são importantes, mas não suficientes. As necessidades da vida são de muitas ordens, uma delas é a espiritual, e é isso o que o futebol propicia.

SOY LOCO POR TI, AMÉRICA

Fazia anos que eu não frequentava os estádios com torcidas tão ruidosas. Em Fortaleza, o jogo contra o México foi uma experiência incrível porque a torcida mexicana era pra valer. 
Eu chegava a pensar: “Ô, meu Deus!”. Foi bonito. Pela proximidade e o prestígio futebolístico do Brasil, a Copa se tornou atrativa. Norte-americanos vieram aos milhares, assim como mexicanos, costariquenhos, colombianos, argentinos. Isso deu uma dimensão maior à Copa.

FUTEBOL-ARTE

O futebol moderno, mais atlético, tático e racional, está se consolidando. O padrão de jogo das seleções ganhou uma sistemática mais firme no mundo todo, a coisa de “não ter mais bobo no futebol”, que é a maneira popular de traduzir isso. Africanos, asiáticos, centro-americanos, antes secundários, agora trazem seleções competitivas, que conseguem misturar a fantasia do futebol-arte com a técnica dos europeus. Tudo isso torna os jogos mais interessantes.

NOVA CLASSE C

O fato de a Copa ter sido feita em 12 sedes, com o Brasil reciclando seu equipamento futebolístico com estádios de padrão internacional, influencia para que ela seja um marco, uma transição para outro período. É um momento em que a classe média cresce, criando um público economicamente mais capacitado e culturalmente mais exigente. Mas, no fundo, no fundo, é o velho futebol de sempre.

UM POVO ALEGRE

A alegria é a prova dos nove. No Brasil, existe essa coisa de um país que se dedicou fortemente à dimensão celebrativa da vida, da festa como elemento de coesão social, o Carnaval e o futebol como grandes festas tropicais e barrocas. Temos esse gosto pela dimensão lúdica, pelo lado celebrativo da vida. Não seria possível assumir tão intensamente essas coisas se a alegria não fosse um combustível muito forte. Somos um povo alegre, que gosta de estar alegre.


Que papo é esse de pessimismo?

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Marcos Pacheco

O poeta Sérgio Vaz, da Cooperifa, em São Paulo, faz um paralelo entre os protestos do ano passado e a euforia com a Copa

“Em 17 de junho do ano passado, cheguei da rua e escrevi este poema. Neste 17 de junho, vi o jogo do Brasil no bar do Zé Batidão [onde acontecem os saraus da Cooperifa, na zona norte de São Paulo] com amigos. Coisa interessante que na última semana antes da Copa as pessoas começaram a pintar as ruas. A mídia, de forma geral para atingir o governo, criou um clima de pessimismo e algumas pessoas na quebrada foram incorporando. Só que de repente elas foram acordando da hipnose midíatica e pensaram: ‘Que papo é esse de pessimismo? Quem está pessimista é a mídia, não nós. Nossos problemas sempre existiram e vão existir. A paixão do futebol ninguém tira de nós’. Acho que foi esse o espírito. Vai ter Copa, não vai ter golpe. Deixa as visitas irem embora pra gente resolver nossos problemas. Amo futebol de várzea, amo Copa do Mundo, isso ninguém pode tirar de mim. Ninguém vai tirar de nós.”

Somos Nós

Vocês dizem que não entendem

Que barulho é esse que vem das ruas

Que não sabem que voz é essa

que caminha com pedras nas mãos

em busca de justiça, por que não dizer, vingança.

Dentro do castelo às custas da miséria humana

Alega não entender a fúria que nasce dos sem causas,

dos sem comidas e dos sem casas.

O capitão do mato dispara com seu chicote

A pólvora indigna dos tiranos

Que se escondem por trás da cortina do lacrimogêneo,

O CHICOTE ESTRALA, MAS ESSE POVO NÃO SE CALA

Quem grita somos nós,

Os sem educação, os sem hospitais e sem segurança.

Somos nós, órfãos de pátria

Os filhos bastardos da nação.

Somos nós, os pretos, os pobres,

Os brancos indignados e os índios

Cansados do cachimbo da paz.

Essa voz que brada que atordoa seu sono

Vem dos calos das mãos, que vão cerrando os punhos

Até que a noite venha

E as canções de ninar vão se tornando hinos

Na boca suja dos revoltados.

Tenham medo sim,

Somos nós, os famintos,

Os que dormem nas calçadas frias,

Os escravos dos ônibus negreiros,

Os assalariados esmagados no trem,

Os que na tua opinião,

Não deviam ter nascido.

Teu medo faz sentido,

Em tua direção

Vai a mãe dos filhos mortos

O pai dos filhos tortos

Te devolverem todos os crimes

Causados pelo descaso da sua consciência.

Quem marcha em tua direção?

Somos nós,

os brasileiros

Que nunca dormiram

E os que estão acordando agora.

Antes tarde do que nunca.

E para aqueles que acharam que era nunca,

agora é tarde.


Poder? Quem não está confuso, está mal informado

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Membro do conselho editorial e ex-colunista da Trip, o documentarista Carlos Nader está mergulhado há décadas no caldo de cultura que forma o Brasil. Em um artigo exclusivo para esta edição, ele passeia pelo avesso do pensamento convencional e defende que o poder do mito ainda manda – e hoje pode se manifestar em Neymar, Obama, Osama, Mídia Ninja, Mumuzinho ou na bunda da blogueira fitness com seus milhões de seguidores

Onde está o poder? Começo dando essa entortada leve na pergunta lançada pela Trip porque acredito que a questão seja mesmo espacial. Onde? Como qualquer mudança de estrutura acontecendo nesta virada ainda incompleta do milênio, a redistribuição do poder também se deve principalmente à criação de uma dimensão espacial nova, o espaço-tempo gerado pelo que hoje chamamos de internet.

Não é que eu acredite naqueles slogans aguados da linha “a revolução está na ponta dos seus dedos”. Não. A revolução é bem mais embaixo. No chão, literalmente. O que rola na face da Terra nesses últimos anos é uma sumida de chão progressiva, veloz, uma desterritorialização vertiginosa que começou bem antes da internet, com o telégrafo, que se expandiu com a telefonia internacional, que se prolongou com a mídia de massas e que vai se completar com a colonização do corpo humano pela tecnologia da informação.

A fusão da biologia com a tecnologia vai reconfigurar de vez a nossa noção de espaço e de tempo. Esse reset da percepção humana está sendo prenunciado por gadgets de realidade aumentada como o Google Glass. E, mesmo sem eles, o cidadão eletrônico médio já sabe que o tempo passa bem mais rápido simplesmente quando a gente está imerso no oceano on-line. Sabe também que um deslocamento internacional é uma viagem infinitamente menor depois do advento do Skype. É só o começo.

No futuro, a tela será mental. Toda tecnologia material tende a se entranhar, a desaparecer da vista. O computador evoluirá para um órgão biotecnológico de comunicação e processamento? O Google se transformará numa parte do cérebro? O YouTube será um dos nossos telessentidos? O e-mail será eletrotelepático? Provavelmente. A capacidade de computação e fabulação comum sem precedentes proporcionada pela tecnologia restituirá à virtualidade o status que ela tem mesmo que ter. Virtual será o que há de mais real.

Meu delírio profético tem raízes bem pedestres. Entrei na internet em 1989. Menos de mil pessoas estavam on-line em todo o Brasil. Quando vi pela primeira vez que as informações vindas em tempo real da Biblioteca do Congresso Americano se transformavam em letrinhas de fósforo verde na tela do meu PC/AT, o chão tremeu. Não é uma metáfora. Foi uma sensação física real, como se tivesse rolado um espasmo sísmico bem embaixo da minha cadeira, como se meu corpo sacudido por alguma força misteriosa tivesse intuído, antes da minha consciência, que o mundo nunca mais seria o mesmo. Foi uma das sensações mais poderosas que já experimentei.

Então, passados 25 anos, minha resposta para a pergunta inicial é óbvia. O poder está hoje na rede de comunicações que muda o mundo. Mas a questão que se coloca imediatamente a seguir é bem mais complexa. Como é que esse poder se manifesta?

Para começar a responder, neguinho tem que se livrar daqueles memes bobos que sugerem que você pode ficar poderoso na hora que quiser. Num universo que se desterritorializa, taí um tipo de ideia sem pé nem cabeça. E que se desmancha no ar.

Na internet, nem tudo acontece na velocidade da luz. O mundo está se transformando? Muito. E a natureza humana, aquela que rege as relações de poder? Nem tanto.

Nessa esfera, as coisas se movem mais lentamente. No entanto, há um inegável movimento de acomodação das placas tectônicas que compõem as estruturas mais profundas do poder. E “acomodação” aqui é uma palavra ao mesmo tempo justa e enganosa. Estamos falando daquilo que dá origem a terremotos. Acomodações incômodas. O que é essencialmente humano não se transforma, se é que se transforma, sem atrito. Não há mudança de poder sem solavanco. Essa é uma das cláusulas pétreas do manual das relações humanas. O poder não muda de mãos como uma rosa. Quem tem poder ralou. Quem quiser poder vai continuar tendo que ralar.

Quem, então, tem poder hoje? Começa a responder alguém que nem está mais aqui, o escritor Philip K. Dick: “Vivemos numa sociedade em que realidades espúrias são fabricadas pela mídia, pelos governos, corporações, grupos religiosos e políticos. Então, eu pergunto: o que é real? Somos bombardeados incessantemente por pseudorrealidades fabricadas por gente que usa mecanismos eletrônicos muito sofisticados. Não desconfio dos motivos deles. Desconfio do poder deles. É um poder impressionante: o de criar universos, universos da mente. Sei disso porque faço a mesma coisa”.

PK Dick, o maluco mais visionário da contracultura americana, publicou essa reflexão bem antes da web. Tem poder quem consegue criar uma narrativa. E por narrativa entenda-se não só uma estória convincente, bem empacotada, mas sobretudo aquilo que a antecede: uma visão de mundo poderosa, sedutora, que catalise corações e mentes. É assim. De Marina Silva a Valesca Popozuda. De Marcelo Tas a Guilherme Boulos. De Fernando Henrique a Lula. De Osama a Obama. A narrativa virtual é inclusive mais poderosa que a força bruta. Caso contrário, os militares ainda estariam no topo do Planalto e os palestinos já estariam sob a areia do deserto. No princípio, é sempre o verbo.

Sempre. De Abraão a Capilé, líderes lidam com o poder do mito. A narrativa é condição sine qua non para a ascensão profética. Seremeos sempre o povo do livro, da crença na estória. Como diz o filósofo Paulinho Gogó, de A praça é nossa, “quem não tem dinheiro conta estória”. Tanto quanto a própria fome de poder, a fome de estória é linha mestra no código que programa o sistema operacional do ser humano. A gente já nasce clamando por narrativas que venham dar algum sentido ao caos da existência ou que pelo menos o amenize, pela via do prazer. Quanto vale o show? Vale tudo.

Acontece que um fast-food engordurado de informações está suprindo essas necessidades fisiológicas. A gente conhece em tempo real aquilo que realmente interessa ao botocudo da aldeia global. Num grande portal como o UOL, por exemplo, a lista das cinco “notícias” mais lidas neste exato instante em que escrevo começa por “Quem são as loiras que estão com Neymar” e termina com “Hilda Furacão vive sozinha em asilo pobre na Argentina”. Importa pouco o aumento da inflação ou a invasão de Gaza. Importa muito a estória, mesmo que aos fiapos. Ou farrapos.

Nesse contexto, talvez o que realmente esteja mudando em relação às diferentes formas de poder seja a própria relação de forças entre elas, entre o soft power e o hard power, entre o sopro criativo e a força destrutiva. É bem alvissareira a notícia de que o poder esteja sendo exercido hoje muito mais por encantadores do que por brucutus. Só que aqui também é preciso cuidado para não cair no conto de uma realidade espúria. Está mudando tanto assim? A resposta ao “quem tem poder?” lançado pela Trip na enquete da página 65 foi inequívoca: “Os mesmos de sempre, ainda”.

O ambiente tecnológico que colocou no topo do mundo uma proposta de poder até então nova como aquela encarnada por Barack Obama é o mesmo que deu à NSA os meios de exercer numa escala sem precedentes uma das formas de poder mais antigas e nojentas, a espionagem. O contexto hipermidiatizado que criou uma figura sofisticada como Bruno Torturra, ex-diretor de redação da Trip e inventor do Mídia Ninja e do coletivo Fluxo, é o mesmo contexto inflacionado que dá Ibope a gritalhões como Jair Bolsonaro, ex-coronel e deputado.

Lembro inclusive que na mesma época em que o Mídia Ninja estava em seu auge, durante as manifestações de junho de 2013, um amigo de infância me mandou o link do Instagram de uma jovem que não tinha realizado absolutamente nada que a destacasse do resto da humanidade. Nada, a não ser a própria bunda, rotunda, conquistada graças a uma intensa rotina de malhação e divulgada ao mundo através de fotos diárias. O Twitter do Mídia Ninja tinha e tem 30 mil seguidores. O Instagram da bunda, 4 milhões.

O mundo eletrônico parece estar sendo no mínimo tão generoso com aqueles que adaptam velhas narrativas quanto com aqueles que criam novas. Não é fácil ver uma tendência clara de mudança. Quem não está confuso, está mal informado. Ainda assim, nem tudo está vencido pelo cansaço que a overdose de bits tem gerado. O fato é que há vários narradores verdadeiramente novos, vitais, vitalizantes, inclusive em meios tradicionais.


A narrativa virtual é mais poderosa que a força bruta. Caso contrário, os militares ainda estariam no topo do planalto e os palestinos já estariam sob a areia do deserto


Eu citaria por exemplo todas aquelas figuras luminosamente escuras, como Mumuzinho, que mistura virtuose musical e palhaçada todo domingo no palco do Esquenta!, de Regina Casé e Hermano Vianna, para dar um sinal claro de que, pela primeira vez na história, as cores da nossa TV em cores podem refletir mais honestamente as cores do nosso país ainda mais em cores. Mencionaria também alguns criadores como Gregório Duvivier e Antonio Prata, que usam antenas privilegiadas para resgatar as raízes poéticas e recolocá-­las na equação do humor.

Não cabe todo mundo aqui. Felizmente. São muitos e bons. E não só artistas. Há seis anos, o Trip Transformadores se dedica a reunir uma penca frutífera de ativistas de todas as espécies. Dê um Google. Tem de tudo. Ciclista distribuindo bolsa universitária, executivo do mercado financeiro ensinando computação para criança, porteiro criando um universo fashion sofisticado, skatista fazendo inclusão social, designer fabricando brinquedo pedagógico, administrador de empresas plantando árvore e cartunista homem virando mulher. O alcance prático de cada visão, cada sonho, cada intervenção ainda é limitado. Já a narrativa inspiradora que eles produzem, voa.

Difícil definir o que esses transformadores têm em comum, mas duas qualidades ululam. Primeiro, a afirmação incondicional da liberdade do indivíduo na sua relação com o Estado, a igreja, o partido ou a empresa, ou qualquer outra dessas estruturas mais arcaicas que paradoxalmente também podem ter suas características mais opressivas potencializadas pela própria tecnologia. Segundo, a realização de uma mistura sem medo nem culpa de atividades economico-sociais até aqui apartadas, exatamente como fazem o Mumuzinho ou o Duvivier em seus palcos.

Essa forma mestiça de transformar tem outra característica muito brasileira. Ela não se dá pela via batida da confrontação ideológica, que a história já cansou de mostrar fadada à derrota ou à criação de uma estrutura ainda mais opressiva que aquela que foi vencida. Os novos transformadores são insiders. Eles conduzem a mudança dentro do sistema, num processo internalizado, entranhado, uterino, paulatino e criativo, como uma gestação. E a vida que eles geram transborda de um poder digno do nome.

A trajetória de Nelson Triunfo no TRIP TV

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O Trip TV resgata a história de Nelson Triunfo. Figura central da história do hip-hop no Brasil, Nelson bateu de frente com a ditadura militar ao levar seu boombox e seus passos de dança para as ruas de São Paulo: "Eu apanhei muito da polícia. Eles falavam que era vadiagem. Eu tentava explicar que aquilo era cultura”.

Quem manda no Brasil hoje?

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Um ex-presidente da República, um líder dos sem-teto, uma herdeira de banco, um jogador de futebol, um apresentador de TV, uma cantora gospel, um videomaker, um arquiteto, um funkeiro, uma especialista em internet, dois músicos, uma atriz e uma modelo respondem à pergunta

Filho de peixe

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Filho do consagrado fotógrafo Sebastião Salgado, o cineasta Juliano Salgado conversou com o Trip TV sobre o recém-lançado "O sal da terra", filme sobre o pai, feito em parceria com o diretor alemão Wim Wenders. 

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